Os desafios e as perspectivas dos direitos humanos e territoriais na Amazônia foram tema do segundo minicurso ministrado na tarde de ontem, 17, no I Congresso Internacional de Direitos Humanos e Desenvolvimento da Justiça, evento realizado esta semana, em Porto Velho, pelo Mestrado em Direitos Humanos e Desenvolvimento da Justiça (DHJUS) em parceria com a Escola da Magistratura do Estado de Rondônia (Emeron).
O professor doutor Ricardo Gilson, da Universidade Federal de Rondônia (Unir), foi o primeiro ministrante do minicurso e demonstrou a atualidade político-econômica da região, que dificulta a garantia dos direitos territoriais aos povos nativos. De acordo com o professor, há um interesse mundial em áreas em países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento para produção de alimentos em grande escala visando o abastecimento de grandes populações, como a Europa, e também para a exploração turística. Isso tem gerado a compra de terras no Brasil por estrangeiros, especialmente nas regiões Norte e Nordeste. Segundo dados recentes, os estrangeiros são donos de 4 milhões de hectares do território brasileiro.
Entre os prejuízos causados pela destinação de terras a estrangeiros e à iniciativa privada estão a fragilização do ordenamento jurídico para benefícios da exploração, a exemplo da redução de áreas de proteção ambiental e a permissão para utilização comercial desses territórios; a perda da soberania estatal, que passa a ter mais dificuldades em promover mudanças que sejam consideradas prejudiciais aos interesses privados em detrimento de populações nativas; o crescimento de conflitos agrários, a especulação imobiliária e o aumento da violência contra agricultores familiares, indígenas, quilombolas e outras populações ocupantes das terras.
O ministrante destacou que, nesse contexto, a Amazônia é objeto de desejo por ainda ser o único espaço no país com áreas não regularizadas e que podem ser convertidas em latifúndios. Atualmente as regiões de Santarém e norte de Rondônia são as áreas mais desmatadas para conversão em propriedades particulares. Gilson finalizou lembrando a estreita relação entre esse processo de exploração e a violação de direitos humanos, especialmente o trabalho escravo e a possibilidade de genocídios.
Em seguida, a professora da Universidade Federal do Oeste do Pará, Judith Costa Vieira, abordou os aspectos jurídicos dos direitos territoriais. De acordo com Judith, o Brasil é considerado mundialmente o país mais avançado em políticas territoriais, entretanto há má interpretação e aplicação da legislação. A falta de uma leitura multidisciplinar da territorialidade é um dos fatores que contribuem para a dificuldade de acesso e garantia do direito à terra. Como exemplo a professora citou a diferença entre o conceito jurídico e social de território. O direito entende o território de forma objetiva, relacionada à metragem e à posse legal de um espaço, já uma comunidade ribeirinha entende o território como seu espaço coletivo de vivência cultural, social e, por vezes, religiosa. Essas leituras sociais são ignoradas perante a lei, que considera o ordenamento jurídico como única via de pensamento. Ainda nesse aspecto, a ministrante classificou os diplomas legais como autoritários ao delegar ao Estado a definição da territorialidade, excluindo os povos do entendimento sobre o que é e onde está a área em que vivem.
Judith corroborou a fala do professor Gilson ao afirmar que existe uma pressão da economia internacional em torno da regulamentação das terras na Amazônia, não somente para a exploração desta na criação de gado ou na agricultura, mas também para que haja o controle sobre os saberes tradicionais amazônicos, como as plantas medicinais, visando a confecção de medicamentos e cosméticos. Essa pressão tem resultado em iniciativas legislativas para a diminuição da área protegida, para a revisão das demarcações já existentes e para atravancar o reconhecimento de espaços ocupados por povos nativos e religiões.
A ministrante concluiu abordando a dificuldade que o judiciário encontra para atuar nas questões territoriais, seja pela falta de marcos jurídicos claros ou pela falta de entendimento multidisciplinar dos conflitos.
As atividades do Congresso continuam nessa quinta-feira, 19, tendo os quilombos, as novas famílias e a administração de conflitos como temas das mesas de debates e minicursos.
Assessoria de Comunicação Institucional
Com informações da Emeron