Livro do Judiciário 2004

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Livro do Judiciário 2004

MEMÓRIA JUDICIÁRIA

HISTÓRIA DO JUDICIÁRIO DE RONDÔNIA

NO SÉCULO XX

editora

 

MEMÓRIA JUDICIÁRIA

(org) nilza menezes

 

APRESENTAÇÃO

       A história que apresentamos foi gerada da linguagem que nos dá conta do universo que é o passado. Esse passado nos é apresentado de duas formas: a documentação referente ao período estudado, constando de processos judiciais onde ficaram registradas as atividades do judiciário e de trabalho de resgate de memória com agentes desse processo feito a partir do desenvolvimento de um trabalho de História Oral.

            A base do trabalho está centrada em trabalho de resgate de memória já realizado, onde se apresentou os pioneiros e a importância da estrutura do judiciário dentro do desenvolvimento da região e do Estado de Rondônia (Menezes, 1999).

            A documentação existente no Tribunal de Justiça abre perspectivas para novas narrativas e análises sobre as transformações sociais e políticas, principalmente, da população da região. O desenvolvimento da Justiça de Rondônia acompanhou os períodos de formação histórica do Estado. Por essa ótica, é possível fazer, através das suas fases, outras abordagens da história de Rondônia dos últimos anos do século XIX e do século XX. Assim, apresentamos uma visão panorâmica, feita a partir do trabalho documental que traz a trajetória da presença da justiça na região.

            A região que encantou e chocou o olhar de muitos viajantes dos séculos anteriores, também registrada por cronistas e pesquisadores da época (Cruz, 1914; Nogueira, 1913), entre o final do século XIX e o início do século XX, passou por uma fase de explosão econômica, seguida de um declínio e estagnação, ocorrendo pequenos picos de crescimento em decorrência da migração e mineração. Durante esse período, aqui podendo ser considerado como as quatro primeiras décadas, observa-se clara a presença do Judiciário na região desde a sua instalação até o final dos anos 30, quase alcançando a década de 40. O Judiciário passou por um período de quase ausência e na década de 60, ressurge com visível crescimento, podendo-se dizer que houve um renascimento, na década de 70 e 80. Essas afirmações são feitas com base nos registros dos livros cartoriais de todos esses períodos. Percebe-se que as atividades judicantes foram decisivas nos primeiros anos, um pouco tímida entre os anos 45 e 60 e segura a partir dos anos 70.

            Não há como estabelecer datas para as rupturas, porque as mudanças culturais não são delimitadas por um fato crucial, por uma hecatombe fatalista, mas por processos com avanços e retrocessos. Por isso, usa-se muito as décadas como referencial. Tanto em Porto Velho como em Guajará-Mirim, a primeira fase da Justiça, período que abrange as cinco primeiras décadas, chegou aos anos 50 num silêncio quase que total. Esse silêncio está refletido na pouca documentação existente, que deixa registrada, além do fazer jurídico, a abertura para estudos temáticos de grande valia para a sociedade rondoniense, mas dificulta um estudo amplo sobre a ação da justiça na região.

            Tomando por base as idéias expressas por Foucault (1996), que vê a justiça como uma forma de controle e atendimento do Estado, este trabalho procurou mostrar o fazer Judiciário em Rondônia, desde o início do século até os dias atuais. Documentos e entrevistas de desembargadores, juízes e advogados, que estiveram presentes nos momentos de transformação, possibilitaram uma visão dos acontecimentos que marcaram a história da justiça.

Nesse momento vamos nos deter de forma mais criteriosa ao momento da instalação do Poder Judiciário do Estado de Rondônia. São dois momentos distintos: o da presença da Justiça e o da criação do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia.

De 1912 a 1982 são, portanto, setenta anos de atividades jurídicas na região tendo vários nomes sidos inscritos para que chegássemos a esse acontecimento, qual seja, a instalação do Poder Judiciário do Estado de Rondônia.

Factualmente os acontecimentos estiveram estreitamente ligados às transformações políticas, sociais e geográficas. As atividades judiciárias acompanharam as rupturas, os e retomadas apresentando avanços e retrocessos em permanente movimento.

O Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia foi criado no ano de 1982. A trajetória para o acontecimento desse fato está vinculada aos acontecimentos anteriores, ou seja, todo o processo da presença da justiça na região desde o ano de 1912, cujo resultado de pesquisa foi publicado através do trabalho realizado pelo CDH (Menezes, 1999).

Agora, estamos nos propondo a uma leitura do material humano que compõe a justiça, das formas que a justiça se apresenta de maneira muito mais ampla. Ou seja, os reflexos das atividades judiciárias como fazer diário da máquina do judiciário.

Agora, estamos nos propondo a uma leitura do material humano que compõe a justiça, das formas que a justiça se apresenta de maneira muito mais ampla. Ou seja, os reflexos das atividades judiciárias, o fazer diário da máquina do judiciário.

Optamos pela apresentação da história da instituição e ainda pela organização de artigos produzidos por grupo de pesquisa organizada com a finalidade de uma produção mais variada proporcionando olhares diversificados, e também mais critica. Todos delimitados pelo mesmo período e objeto: o poder judiciário da sua criação no ano de 1982 até 1992.

 

A TRAJETÓRIA DO JUDICIÁRIO NA REGIÃO

            Começando pela exploração da borracha, passando pela construção da ferrovia, pelas mudanças geográficas e políticas, e chegando na criação do Estado, o caminho percorrido pela justiça foi traçado no tempo imposto pela economia e pela política utilizada na região.

            Há uma profunda relação de valores e qualidades nas pessoas e nas coisas. Por isso, um raciocínio cartesiano não é suficiente para entender o fazer jurídico em Rondônia. É necessário lançar vários olhares para os documentos da época e observar, principalmente, as mudanças de tempo e lugar. A documentação preservada pelo Judiciário, que guarda processos desde o ano de 1912 e livros das atividades cartoriais e do juízo, possibilitou refazer os caminhos percorridos pela Justiça em Rondônia.

            A Justiça está dividida basicamente em três épocas. A primeira fase teve início com a instalação da Comarca no dia 08 de agosto de 1912, na Villa de Santo Antonio do Rio Madeira. A segunda tem o seu início com a transformação das porções de terras do Mato Grosso e Amazonas em Território Federal do Guaporé. A terceira fase começou com a criação do Estado e a instalação do Poder Judiciário em 1982, tais etapas serão analisadas no decorrer deste trabalho.     

            Fatos históricos como a construção da ferrovia, a luta pela borracha, a transformação em Território Federal e a criação do Estado são acontecimentos que marcaram de forma decisiva a história do Judiciário. A importância da região amazônica, no início do século, foi mostrada pelo jurista Caio Nunes de Carvalho em sua obra “A Nova Aplicação do Direito Penal”, publicada em 1914. Ao fazer referências à casa de detenção de Manaus, ela tece séria crítica ao sistema penitenciário na 1ª República, evidenciando que a região oferecia um aparato judicial idêntico ao resto do país.

            As precariedades e dificuldades da região não impediram que Santo Antonio, Guajará-Mirim e Porto Velho, apesar dos períodos de silêncio oferecessem aos seus moradores os préstimos da Justiça. O Judiciário era um dos aparelhos do Estado que servia como órgão de disciplina e controle (Foucault, 1996:153). Esse mesmo Estado, em alguns momentos, tratou a região com profundo descaso. Os desabafos dos juízes nas atas de audiência das décadas de 30 e 40 e as falas resgatadas através das entrevistas, em períodos mais recentes, dão a dimensão dos problemas enfrentados, naquele momento, por causa da falta de juízes no território, pelas dificuldades de contato com Brasília e, principalmente pela precariedade do alcance da própria justiça. O juiz de Guajará-Mirim, por exemplo, tinha jurisdição até a cidade de Vilhena, distante aproximadamente mil quilômetros, conforme relatos.

            Em todas as fases dos acontecimentos, o Judiciário cumpriu o seu papel de atendimento e controle, seja no primeiro momento da sua criação em Santo Antonio, quando pelos processos desfilam os nordestinos, sírios, portugueses, peruanos e bolivianos, ou no segundo momento, quando era acentuada a presença dos nordestinos, quando estabelecida a presença dos sírios no comércio e o afastamento de outros estrangeiros, ou ainda no processo de preparo do terceiro momento quando as qualificações como caucheiro, seringueiro, seringalista começaram a ficar ausentes dando lugar ao funcionário público e comerciante.

            É necessário salientar que um objeto de análise, político ou econômico, faz parte de outro. As fases políticas causaram algumas mudanças que marcaram a história da Justiça, no momento considerado auge da produção da goma. Para alguns autores o auge da produção da borracha aconteceu em 1910, mas esse pico foi mantido até 1913. É a partir daí que começa a ser percebido o declínio; porém a luta pela borracha vai ser uma constante que alcança a década de 70 (Dean, 1989).

            A instalação do Judiciário está ligada ao auge econômico da borracha, resultado de uma ação política, assim como o desinteresse pela região. Esse desinteresse político, por não estar a região, digamos assim, valendo a pena, vai resultar na desatenção do Estado e na quase desativação da Justiça. Nesse momento, Guajará-Mirim passou quase de dez anos sem juiz. Esse é o período em que se percebe o enfraquecimento do Judiciário, pois o seu quase desaparecimento em Guajará-Mirim após a década de 30, e a mantença frágil em Porto Velho. Coincidindo esses acontecimentos com o período em que também ficaram fechadas as representações políticas locais. As câmaras municipais que foram fechadas com a revolução de 1930, só voltaram a funcionar em janeiro de 1969, com um decreto-lei do governo federal, na administração do Presidente Costa e Silva (Matias, 1998).

            As mudanças e os fatos pitorescos acontecidos na região já são conhecidos da nossa história; aqui eles foram registrados como forma de mostrar a presença do Judiciário e o seu campo de atuação. A História da Justiça de Rondônia, pela documentação analisada, acompanha as fases de evolução do Território até a sua transformação em Estado em 1982, quando o então Governador Jorge Teixeira de Oliveira criou o Tribunal de Justiça e nomeou a primeira turma de desembargadores, ou seja, com a transformação do Território Federal em Estado nasceu a Justiça do Estado de Rondônia.

            Os documentos do arquivo do Poder Judiciário e os entrevistados usam as expressões “criação” ou “reestruturação” da Justiça. Alguns entendem que o Judiciário foi criado em 1982, como se o passado não existisse. Outros afirmam que ela foi reestruturada, pois já existia a Justiça do Território, que teve o seu nascimento no tempo em que as terras do Estado de Rondônia ainda faziam parte dos Estados do Mato Grosso e Amazonas. Neste trabalho, usaremos o termo criação, devido ao decreto de criação da Justiça, no entanto, setenta anos de história do Judiciário (1912-1982) não podem ser olvidadas.

            Na ata de instalação da Comarca de Santo Antonio está registrado que o Poder Judiciário, na região, era vinculado ao Tribunal de Justiça de Cuiabá, Estado do Mato Grosso. Já a Vila de Porto Velho, distante apenas sete quilômetros da Vila de Santo Antonio do Rio Madeira, tinha o atendimento jurisdicional vinculado ao Estado do Amazonas. Desse período, em Porto Velho restam apenas algumas dezenas de processos que informam como era o funcionamento da Justiça, não oferecendo dados mais amplos quanto à quantidade e alcance do atendimento prestado.

            No Estado de Rondônia, como colocado por João de Jesus Paes Loureiro (1995), a cultura regional vai estar totalmente comprometida desde os anos 60. Nesse momento, a região passou do pensamento mítico para um pensamento racional, perdendo toda sua característica estetizadora amazônica. Essas colocações reforçam nossas observações sobre os caminhos percorridos pela justiça na região, e nos dá suporte para afirmar que esses períodos de profundas mudanças políticos, decorrentes do processo econômico, causaram mudanças sociais decisivas.

            O objetivo, aqui, não é negar qualquer outra afirmação já feita por historiadores, pesquisadores ou pelo conhecimento popular, mas possibilitar novos olhares e novas críticas sobre uma história horizontalmente organizada. A perspectiva histórica quando analisada através do Judiciário demonstra, na maioria das vezes, uma sociedade formal e organizada dentro de padrões rígidos da época.

 

NOS TEMPOS DE ANTES

            Falar da Justiça do Mato Grosso é importante, porque no momento da instalação do Judiciário, nesta região, grande parte das terras que hoje pertencem ao Estado de Rondônia, faziam parte daquele Estado. Por isso elaboramos uma pequena introdução sobre a história da Justiça do Mato Grosso, a fim de proporcionarmos aos leitores melhor compreensão sobre a trajetória do Judiciário do Estado de Rondônia.

            O Desembargador João Antonio Neto (1985) informa que a Justiça do Estado do Mato Grosso tem como ponto de partida a ata de fundação da Vila de Cuiabá, em 1717 (Siqueira, 1990). Registra como primeiro documento jurídico a ação do General Rodrigo Cesar de Meneses, governante da Capitania de São Paulo, que, logo após a sua visita a Vila de Cuiabá em 1726, extensão daquele, por correspondência enviada ao Guarda-Mor, Pascoal Moreira, instrui sobre arrecadação e exploração das minas e orienta, também, sobre questões de ordem política e jurídica (Neto, 1985).

            Para o Desembargador João Antonio Neto (1985) existe uma certa ambigüidade na definição do eixo da Justiça do Mato Grosso, como resultado das mudanças políticas ocorridas com a transferência da sede do governo, em 1749, para Vila Bela da Santíssima Trindade nas margens do Rio Guaporé. O autor afirma que somente em 1758 a Ouvidoria transferiu-se para Vila Bela. Foram transferidos, também, todos os Cartórios de Ouvidoria e Provedoria de Defuntos e Ausentes, ficando em Cuiabá apenas os Juízes Ordinários (Neto, 1985: 62). Mesmo assim, o autor conclui que Vila Bela nunca foi o centro de colonização. Sua função, naquele momento, era apenas de resistência e conquista. Para os governantes, ficar em Vila Bela era uma espécie de degredo.

            As comunicações entre Vila Bela da Santíssima Trindade e o Grão Pará eram feitas, conforme descreve o historiador Emanuel Pontes Pinto (1998), pela rota dos rios Madeira e Guaporé. Ainda seguindo os passos das informações do Desembargador João Antonio Neto, as atividades da Justiça em Cuiabá foram iniciadas com a instalação da Junta de Desembargo em 1821, antecessor mais próximo do Tribunal de Relação criado em 1874, hoje Tribunal de Justiça.

            Acompanhando os passos do Judiciário em Santo Antonio do Rio Madeira, registramos que à época da nomeação do Dr. João Chacon, primeiro Juiz da Vila de Santo Antonio do Rio Madeira em 1912, o Dr. Joaquim Francisco Mendes era Desembargador Presidente do Tribunal de Relação do Mato Grosso. Em 1915, foi transferido para a Comarca de Nioac, localidade hoje pertencente ao Mato Grosso do Sul, e em 08 de Janeiro de 1917 pediu exoneração da Justiça do Mato Grosso.

            O funcionamento do Tribunal de Relação, hoje Tribunal de Justiça do Mato Grosso, era controlado pelo Estado. As nomeações dos Desembargadores eram feitas pelo Presidente do Estado, ou pelo 1º Vice-Presidente. De acordo com o livro n. 07 do Tribunal de Relação do Mato Grosso, a partir da década de 30, quando o Estado passa a ter interventor os juízes suplentes passam a ser nomeados pelo Secretário Geral do Governo.

            Documentos das primeiras décadas deste século registram as prestações de conta do Presidente do Tribunal de Relação. No final de cada ano era encaminhado relatório circunstanciado das atividades da justiça ao Presidente do Estado e ao Bispo de Prusiade, Revdo. Sr. Dr. Francisco Corrêa. Os juízes, ao fazerem requerimentos para afastamento por problemas de saúde, por exemplo, pagavam emolumentos ao Estado, no valor de R$ 10.000 réis em selos, em 1870.

            Pedidos de licença para advogar eram concedidos, normalmente, por dois anos. Ao final desse período o advogado tinha que requerer nova autorização. A presença marcante de juízes nordestinos em Santo Antonio não se repete em Cuiabá. Entre os pedidos de licença para advogar, a maior parte era de ex-alunos da Universidade de São Paulo e do Rio de Janeiro.

            O Município de Generoso Ponce, localizado na beira da ferrovia, hoje conhecido apenas por Jacy Paraná, recebeu aquele nome em homenagem a um político do Mato Grosso que por duas vezes foi Presidente (Generoso Paes Leme de Souza Ponce (7.5.1882-20.7.1892 e 15.8.1907-12.10.1908). Com a transformação da região em território, as localidades, cujos nomes homenageavam políticos daquele Estado, como é o caso também de Guajará-Mirim - Esperidião Marques, acabaram por desaparecer da memória. Outra localidade também pode ser citada, como Presidente Marques, atual Distrito de Abunã, com as mesmas características e destino (Menezes, s/d)

 

VILLA DE SANTO ANTONIO

            O Município de Santo Antonio do Rio Madeira foi criado pela Lei n. 494 de três de julho de 1908, mas executada apenas em 1912 (Nogueira, 1913: 24-27), ano em que foi instalada a comarca. Julio Nogueira, viajante do início do século, registra sua história desde 1881 com a instalação de uma coletoria em Santo Antonio do Rio Madeira (1913: 23). Segundo esse autor, a instalação da Comarca ocorreu no dia 2 de julho de 1912 (1913: 27), um mês antes da primeira audiência registrada em ata com a chegada do primeiro Juiz à Comarca, no dia 8 de agosto de 1912. A instalação do Poder Judiciário, na Vila de Santo Antonio em 1912, demonstra claramente a preocupação das autoridades em manter sob o controle do Estado uma região considerada, na época, de grande importância econômica para o país. Era oferecido o atendimento jurisdicional às pessoas, com a presença de Juiz, Promotor de Justiça e advogados. Todo o aparato estadual na região era mantido.

            O primeiro Juiz João Chacon foi quem procedeu à instalação da Comarca na Villa de Santo Antonio do Rio Madeira, com a presença das autoridades municipais. O Judiciário funcionava na sala da Intendência Municipal (administração) e todos os livros cartoriais, cível e criminal, assim como os livros do Cartório de Notas e Registro Civil e Eleitoral pertenciam ao Sr. José Cassimiro Bayma, que durante muitos anos exerceu o cargo de escrivão e escrevente, sendo em poucas oportunidades substituído. Observa-se pelos livros que os Cartórios mudavam constantemente de endereço.

            Como vai ser referenciada por diversas vezes nesse trabalho, a característica do povo que desfila pelas qualificações é, na sua maioria, os já conhecidos seringueiros. A maior parte das ações apresenta a pobreza da população, refletida na descrição das casas rústicas ou nos pertences pessoais, descritos nas inúmeras ações de arrolamento onde após a morte, os bens do falecido eram relacionados por comunicado do delegado ou Portaria do Juiz, iniciando, assim, o processo. Na maior parte dessas ações, nenhum documento comprovando a identidade do morto era juntado. Apenas seus bens eram relacionados. Bens esses que, conforme os processos, apresentam características muito pobres. São as ceroulas, camisas, calças, sapatos e malas leiloados, em razão de o falecido não possuir herdeiros. A exemplo, relação de bens pode ser observada no Caderno Catalográfico em anexo.

            Nos livros dos atos da justiça no período de 1914 a 1970, a população de Santo Antonio e depois Guajará-Mirim, se mostra mais clara. Os seringueiros, os trabalhadores da ferrovia, os funcionários públicos, os aventureiros, os comerciantes, as mulheres e tudo quanto envolvia a vida dessas pessoas, aparecem na forma do cotidiano de suas vidas. Em Porto Velho, ocorreu um certo turbamento, uma vez que a ingerência ou controle exercido pela Ferrovia, conforme veremos mais adiante, impedia a ação livre da justiça.

            Farta documentação mostra que em Santo Antonio e Guajará-Mirim, assim como nas demais localidades ao longo da ferrovia, existia atendimento Judiciário. Não podemos avaliar o alcance exato desse atendimento, mas os crimes cometidos nos seringais próximos à Fortaleza do Abunã, localidade pertencente a Porto Velho, ou em Generoso Ponce, pertencente ao Mato Grosso, eram apurados com rapidez. Os inquéritos eram formados em cinco dias e encaminhados às Comarcas.

            Desse primeiro momento, existe pouca documentação referente à Comarca. Santo Antonio e Guajará-Mirim, que pertenciam ao Estado do Mato Grosso, mantiveram um notável acervo de processos, que guarda a história da Justiça desde o ano de 1912. São exemplares raros que contam os procedimentos judiciais e mostram a face da população. As fases históricas do Judiciário também servem para mostrar o perfil da população que habitava a região.

            De 1912 a 1970 a população era formada, na sua maioria, por nordestinos. Essa observação é feita através das qualificações das partes e testemunhas cujas origens desfilam pelos processos, dando mostra da característica do povo. O Rio Grande do Norte, aos olhos da documentação judiciária, foi o Estado que ofereceu o maior número de trabalhadores para os seringais de Porto Velho e Guajará-Mirim, seguido pelos Estados do Ceará, Piauí, Pernambuco, Alagoas, Bahia, Pará e Maranhão. Eram poucos os amazonenses, acreanos, assim como os estrangeiros: sírios, portugueses, espanhóis, peruanos e bolivianos, registrados nos processos.

            Uma observação a se fazer sobre esse assunto é que, enquanto a maior parte dos estudos aborda a questão da característica do povo pelo registro das empresas, dos seringais, dos nomes dos grandes proprietários, na Justiça eles são minoria, e a grande massa de trabalhadores referenciados como nordestinos, ou soldados da borracha, passam a ter nomes próprios nos processos e documentos cartoriais, e são eles que fazem o movimento da ação da justiça.

            Autores regionais afirmam que o desenvolvimento da cultura local ocorreu com a nacionalização da Estrada de Ferro em 1931(Menezes, s/d). De acordo com a documentação do Judiciário, a questão cultural permaneceu inalterada. O perfil do usuário do órgão permanece o mesmo das primeiras décadas, ou seja, a nacionalização não trouxe nenhuma mudança cultural. A partir da nacionalização, o que se pode observar é um declínio nas atividades judiciais, que somente na década de 60 vai ser retomado com o incentivo do governo para a migração e a abertura da rodovia.

            Com a mudança da Comarca de Santo Antonio para Guajará-Mirim, a formação do Território, que no primeiro momento foi motivo de euforia, aos poucos vai se esmaecendo, ficando a população em total abandono. O braço da justiça, cuja finalidade era de vigiar e punir continuou oferecendo o atendimento necessário, pelo fato de ser um instrumento do Estado, cuja função é ou pode ser usada como estratégia política.

            A questão cultural não pode ser entendida como resultado de um acontecimento político, pois a cultura de um povo decorre de transformações e acomodações ao longo da história. A predominância nordestina, sem dúvida é fator importante no resultado das características do povo, de uma região, e isso deve ser mais bem analisado em trabalhos temáticos.

            A predominância de nordestinos na região se refletiu também nos magistrados. O Juiz José Julio de Freitas Coutinho, judicou na Comarca de Santo Antonio do Rio Madeira no período de 1915 a 1922, era originário do Estado do Pernambuco, formado pela Universidade do Recife. José de Melo e Silva, juiz  das Comarcas de Guajará-Mirim e de Porto velho, no período do território, era cearense. Essa característica vai aparecer até mesmo quando da formação da nova justiça em 1982. Três dos sete primeiros desembargadores eram de origem nordestina. Hoje, tais características, tanto no Judiciário, quanto no estado apresentam-se modificadas com a presença de naturais dos Estados do Sul e Sudeste, ocasionado pela migração incentivada a partir da década de 60 chegando-se aos anos 80, com a região totalmente modificada culturalmente.

            As qualificações dos réus, testemunhas e usuários dos serviços Judiciários, demonstram que, no período de 1912 até meados do século, os trabalhadores originários do Rio Grande do Norte era maioria nas Comarcas de Santo Antonio e Porto Velho. Isso não significa afirmar que a maioria dos migrantes nordestinos era do Rio Grande do Norte, mas que havia maior concentração deles nas localidades atendidas pelo Judiciário ao longo da ferrovia entre Santo Antonio e Guajará-Mirim.

            Cabe aqui uma observação quanto a essas afirmações. Em recenseamento realizado pela Superintendência de Porto Velho, publicado no Jornal Alto Madeira de 27 de setembro de 1917, abrangendo o centro da vila e as margens do rio Madeira, a população de Porto Velho era de 1133 brasileiros e 712 estrangeiros. Na identificação por naturalidade, o Estado do Amazonas oferecia 278, o Ceará 205 e o Rio Grande do Norte vinham em terceiro lugar, com um número de 119 migrantes. A esses, seguiam-se os Estados do Pará, Maranhão, Pernambuco, Paraíba, Alagoas, Piauí, Bahia, Sergipe, Mato Grosso, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Espírito Santo.

            Como vemos pelo senso, o Estado do Ceará estava à frente do Rio Grande do Norte, com considerável diferença. Contudo, como aqui temos por objetivo mostrar a documentação do Poder Judiciário, nela a presença dos naturais do Rio Grande do Norte é marcante.

            A presença nordestina em todos os momentos é sempre lembrada em trabalhos que abordam questões culturais. João de Jesus Paes Loureiro comenta essa característica, frisando o isolamento dessas regiões para com o resto do país até meados do século XX, o que nos dá suporte para afirmar sobre as influências dos nordestinos, que durante o auge do ciclo da borracha embarcaram para a Amazônia (em número aproximado de 500 mil indivíduos), muitos dos quais retornaram após a crise a crise da borracha, enquanto outra parte permaneceu na região e se integrou a ela.

            Edgar Carone, em A primeira República, fala sobre a vinda dos nordestinos para esta região e a presença dos originários do Rio Grande do Norte. “A grande seca de 1877, obrigou a emigrarem do Ceará milhares de pessoas que se dirigiam para o Pará e Amazonas; depois dessa época, a afluência de emigrantes daquele Estado, do Rio Grande do Norte foi extraordinária; e estes, pouco a pouco, foram substituindo os tapuios, nas mesmas precárias condições” (Carone, 1988).

            Essa forte característica nordestina no final do século XIX se estendeu até meados do século XX. Benchimol (1992) ao comentar o movimento migratório da década de 40, ressalta também a presença de originários de outros estados na região, muito embora a presença do cearense seja marcante no Amazonas.

“O movimento migrantista da Batalha da Borracha, que se desenvolveu no decorrer dos anos de 1941, 1942 e início de 1943, à moda tradicional, com os flagelados e retirantes nordestinos tangidos pela seca e ou atraídos pela seringa, em busca da Amazônica e de seus altos rios, iria adquirir um novo colorido, com a chegada, a partir de 1943 e durante os anos de 44/45, de novos contingentes humanos. Não apenas “cearenses” e nordestinos, mas também oriundos das mais diversas regiões do país: cariocas, paulistas, fluminenses, capixabas, mineiros, goianos, matogrossenses, de todas as classes e profissões. Geralmente provinham das grandes e médias cidades do Rio, São Paulo, Niterói, Vitória, Salvador, Recife e Fortaleza.”

            Ainda comentando as observações feitas por Benchimol (1992) quanto às características desses migrantes: O nordestino vem com a família, fugindo da seca, expulso do sertão, em busca da sobrevivência. Vinham pensando em voltar, mas isso nem sempre acontecia. Os migrantes provenientes de centros urbanos normalmente eram solteiros e vinham no sabor da aventura. Benchimol refere-se ao Estado do Amazonas, daí a conclusão de que muitos desses migrantes conseguiram retornar à terra de origem, mas outros, desiludidos e envergonhados pela pobreza, preferiram ficar e rumaram para cidades como Rio Branco, Porto Velho, Manaus, Santarém e Belém. Nessas cidades afavelaram-se em pequenos vilarejos e cidades do interior para recomeçarem a luta da vida.

            Nos processos judiciais arquivados, observamos a concentração de emigrantes de um mesmo Estado. Nos processos criminais e até mesmo em algumas ações cíveis havia uma predominância de naturais do mesmo Estado nos episódios. Por exemplo, no caso de um crime em que o réu fosse do Estado da Paraíba, as testemunhas também eram, na sua maioria, paraibana. Ocorrendo o mesmo com os árabes, bolivianos, peruanos, portugueses e outros.

            Esse corporativismo ocorria porque os trabalhadores eram trazidos em levas. Assim, grupos de trabalhadores arregimentados no Ceará, por um seringalista ou seu preposto, eram colocados no mesmo seringal para trabalho, ou dividido em grupos menores. Mesmo assim permaneciam agrupados. Acreditamos também que existia agrupamento por sentimentalismo e defesa.

            A Comarca de Santo Antonio estendia sua jurisdição por todo o trecho da ferrovia e adentrava aos seringais. Cada localidade tinha um subdelegado. Considerando a situação da região e o período, a comarca recebia comunicações dos crimes com rapidez. Como já referenciados, há exemplos de crimes cometidos nas localidades de Generoso Ponce (Jacy Paraná), Presidente Marques (Abunã) e Esperidião Marques (Guajará-Mirim) que cinco dias, após a Comarca já tinha em seu poder a documentação necessária para autuação do processo.

            Localidades pertencentes à Comarca de Santo Antonio como Abunã e Jacy Paraná, são ainda hoje conhecidas na região. São comunidades localizadas no caminho de Porto Velho/Guajará-Mirim. A povoação de Generoso Ponce, de onde vinha grande número de processos, localizava-se nas margens da ferrovia e era chamada de povoado ou distrito.

            Generoso Ponce, hoje Jacy Paraná e Presidente Marques, hoje Abunã, eram constantemente citadas nos processos. Existia atendimento Judiciário em todas as localidades ao longo da ferrovia. Em atas da Justiça Eleitoral, encontramos a designação de sessões para essas localidades, assim como designação de subdelegados e Juízes de Paz. A transcrição de um processo anexo no Caderno Catalográfico ilustra essas afirmações e dá uma visão do fazer jurídico no período na região.

            Os processos eram instaurados na Vila de Porto Velho, porém, em alguns casos, as sentenças eram proferidas em Humaitá. Isso ocorria em Porto Velho e também na Vila de Santo Antonio do Rio Madeira, porque muitos juízes não eram togados, e sim nomeados como suplentes, na maioria, leigos, escolhidos entre os moradores ilustres da cidade, sendo bastante comum a observação da patente de Major antes do nome. A função de Juiz Suplente existiu em Guajará-Mirim até a década de 50, mas não foi tão evidente em Porto Velho, até mesmo em razão da falta de documentos. Porto Velho, em decorrência de ter sido, em alguns momentos da história, o Termo de Humaitá teve a figura do Juiz Municipal, que também exercia o cargo através de nomeação, podendo-se fazer uma comparação, com os juízes temporários no período do Território. Sobre isso falaremos mais adiante, no capítulo que trata do período territorial.

            As cidades de Porto Velho e Vila de Santo Antonio, embora pertencendo a Estados diferentes, eram próximas. É essa proximidade que explica a presença de pessoas influentes, na época, em atas e documentos de ambas as cidades. O Dr. Martinho Pinto, por exemplo, que foi Juiz Municipal de Porto Velho nos anos de 1916 a 1919, aparece como advogado em processos da Comarca de Santo Antonio. O médico Joaquim Tanajura, em 1912, foi prefeito de Santo Antonio e também exerceu cargos em Porto Velho.

            Através da prestação de serviço jurisdicional, aparecem claramente as características da população e os seus problemas sociais. O primeiro momento da justiça, quando desfilam pelos processos seringueiros, comerciantes e prostitutas, é reflexo da realidade econômica, ou seja, a região oferecia ocupação para esse tipo de mão-de-obra. Nos povoados, aglomeravam-se comerciantes e prostitutas, oferecendo as mercadorias necessárias para aquele momento. No processo de Arrolamento de um comerciante falecido em 1919, encontramos relacionadas as seguintes mercadorias: leques, fazendas, perfumes para as damas; cortes de brim, facas e munição para os homens.

            Quando falamos em prostitutas, não estamos nos referindo genericamente a todas mulheres da região. Elas aparecem com mais freqüência nas qualificações dos inquéritos e processos, porque, em função da profissão, acabavam envolvidas em incidentes com bebida, brigas e crimes, e por isso alcançadas pelo braço da justiça. Outra leitura que alguns processos possibilitam é que as prostitutas, dentro do espaço controlado pelo Estado, eram protegidas e tinham seus direitos respeitados. Podemos dizer que, naquele momento, elas deixaram de ser uma classe excluída economicamente, permanecendo apenas na exclusão moral. Elas eram úteis, pois ajudavam no controle da massa trabalhadora, que era essencialmente masculina. Alguns dos documentos que comprovam essas afirmações estão no Caderno Catalográfico.

            Muito se fala sobre a presença das mulheres na região gerando confusões, quando erroneamente generaliza-se a condição delas como caboclas, índias, ou prostitutas. A cidade de Santo Antonio do Rio Madeira tinha toda a estrutura, em face de sua importância econômica.Um bilhete distribuído aos moradores de Santo Antonio ilustra bem essa questão:

Ao Público:

Havendo sido distribuído um convite para o povo assistir a uma festa hoje á noite no barracão da “ Julio Mueller”, previne-se ao povo em geral, e às famílias em particular que os promotores da tal festa são aquelles que se têm encarregado de defamar a honra do nosso meio e que o homenageado é aquelle que se dizendo protector das prostitutas acha que uma destas infelizes procedem bem desrespeitando a nossa senhora”. (CDH-TJ/RO)

            As outras mulheres aparecem sob outro ângulo da questão feminina na região. Elas aparecem nos livros que registram os casamentos em Santo Antonio no período de 1916 a 1919. O perfil dos homens e mulheres que contraíam matrimônio era definido pela classe social. Os sírios, normalmente, casavam-se com mulheres da mesma origem. Já os portugueses casavam-se com as moças jovens da região. Moças com idade entre 14 e 18 anos, casavam-se com portugueses muito mais velhos, que tinham entre 30 e 50 anos. Essa característica também ocorre na Comarca de Humaitá. Os seringueiros nordestinos uniam-se em casamento com moças de idade equivalente, ou seja, um rapaz de 20 anos casava-se com uma moça entre os 18 e 20, ou um rapaz de 30 casava–se com moça entre os 25 e 30 anos, dentro do que podemos chamar de uniões convencionais.

            Uma característica que chama a atenção nas cerimônias de casamento dos portugueses e árabes é o grande número de pessoas da sociedade que assinavam como testemunhas.Isso, certamente, dava ao ato maior relevância e comprovava o prestígio do noivo. No mesmo período, conforme os livros de registro, a Comarca de Humaitá, com algumas distinções nos hábitos, mantém uma linha de conduta parecida.  Os portugueses contraíam matrimônio, na maior parte dos casos, com mulheres amazonenses mais jovens. Os árabes praticamente não são percebidos na região entre Porto Velho e Humaitá. O destaque fica com os originários do Estado do Ceará que compunham a grande massa dos habitantes das localidades. A tradição de casamentos com pessoas da mesma origem era quebrada apenas pelos portugueses.

            A grande miscigenação que houve no interior dos seringais foi conseqüência da infinidade de filhos nascidos de europeus e nordestinos com as mulheres nativas. É de conhecimento popular esse processo de miscigenação, porém, a documentação do Judiciário cria barreiras sobre tais observações. Os documentos nos permitem avaliar acontecimentos regulares, como os casamentos com preferências entre idênticos, e, conseqüentemente, os registros de nascimentos dos filhos dessas uniões.

            Não há como não observar a grande quantidade de filhos registrados, no mesmo dia, por um cidadão no papel de declarante. Nesses registros constava o nome apenas da mãe, acrescido de dados como: nascido no seringal onde o declarante reside. Outro hábito comum era descrever as características das crianças de forma a destacar características raciais dos registrandos. Em uma certidão datada de 1932, feita na localidade do Lago Cuniã, Termo de Humaitá, as observações são: cor morena, cabelos crespos, cachos pretos, rosto redondo, nariz chato, boca regular. Ainda consta na certidão, além do nome da mãe, a descrição dos avós maternos como originários do Ceará e já falecidos.

            Nos registros de uma criança, filha de pai português e mãe amazonense, as características são de rosto fino e nariz aquilino, ou seja, branca. Essas informações são comuns nas certidões de nascimento do período. Em outra certidão, cujo registrando já era pessoa adulta, efetuada na localidade de Bom Fim, além das descrições já mencionadas, foi informado que o mesmo não possuía os dentes superiores.

            Existem diversos casos de o próprio marido ser o declarante da certidão de nascimento da esposa. Após o registro desta o esposo comparecia em cartório para registrar os filhos do casal. Há casos em que, na mesma data do registro da esposa, o pai declarou o nascimento de quatro filhos, demonstrando com isso a dificuldade de acesso e locomoção. Muitas mulheres nascidas no começo do século, por exemplo, em 1907, no Estado do Maranhão, só foram registradas na década de 30. Segundo a memória popular, os cartorários colocavam os livros nos barcos, e saiam pelos rios fazendo certidões de nascimento em troca de porco, galinha e borracha. E assim, quando o cartorário aparecia, os moradores da localidade aproveitavam para registrar todos os filhos de uma só vez.

            Na localidade de Primavera, jurisdição de Humaitá, em um dos livros utilizado de 1907 a 1914, das 41 certidões de nascimento registradas, 29 era do sexo masculino e apenas 12 do sexo feminino. Esse dado também pode ser observado em outros livros. Em determinados momentos, o registro de crianças do sexo masculino é notadamente maior que o do sexo feminino. Isso mostra a pouca importância dada às mulheres naquele momento que só eram registradas quando do casamento, em razão do registro dos filhos cuja relevância, pode-se dizer, decorria da importância cívica e econômica para os homens da época. Era comum a mulher ser registradas apenas na hora do casamento ou pelo marido por causa do registro dos filhos.

            Voltando à questão cultural na região, quanto à observação de ter sido a nacionalização da ferrovia um marco importante, de acordo com a documentação do Judiciário, vamos chegar ao seguinte raciocínio: a nacionalização ocorreu em 1931. Nesse período, o Judiciário transfere a sede da Comarca de Santo Antonio para Guajará-Mirim, não sendo percebida, de imediato, nenhuma mudança. Apenas a sede é transferida. Em nenhum momento alterações culturais profundas são percebidas; são apenas mudanças políticas. A população também permanece inalterada quanto às origens e costumes. O fato de a ferrovia, antes da nacionalização, ser uma empresa estrangeira com trabalhadores de diversas partes do mundo, reflete apenas o momento político e econômico, pois após nacionalização, ainda continuaram a chegar trabalhadores dos diversos Estados do Nordeste.

            Com exceção dos árabes e dos portugueses, nenhum migrante de outra nacionalidade permitiu a mistura de cultura com os nordestinos ou regionais, pois formavam aqui comunidades isoladas. O povo caribenho, naquele momento maioria, hoje resumido a algumas famílias, vivia segregado e não deixou para a região nenhum legado cultural. Hoje não se realiza na cidade de Porto Velho qualquer manifestação cultural de influências caribenhas. No Judiciário, a presença desse povo é mais notada a partir do ano de 1960, em processos da área cível.

            A mudança cultural de um povo ou de uma região só pode ser percebida em caso de mudanças da grande massa populacional. Não foi o que ocorreu, naquele momento, em Porto Velho ou em Guajará-Mirim. As imagens apresentadas nas qualificações, registros de nascimentos, casamentos e óbitos eram as mesmas de 1891 em Humaitá. Com algumas particularidades, as características de Santo Antonio também seguiram o mesmo curso, ocorrendo o mesmo em Porto Velho e Guajará-Mirim. Houve uma acomodação cultural na região, um processo que já vinha sendo desenvolvido. Porto Velho, por ser a sede da ferrovia, apresentou nas três primeiras décadas algumas diferenciações, mas que não extrapolou o pátio da empresa.

            Thiéblot, em sua publicação “Rondônia: um folclore de luta” (1977)comenta que a pobreza na região é herança da servidão que os habitantes acumularam, em decorrência do quadro de estratificação social, do período de exploração da goma. Segundo esse autor, tais característica só sofrerá mudanças a partir do ano de 1971, com a chegada das Companhias Mineradoras que irão provocar mudanças na forma de organização funcional. Porém observa-se ainda que essas empresas vão depender da arregimentação de trabalhadores braçais, coordenada pela figura do “gato”, assim mantendo a situação de dependência e submissão.

            Conforme frisa Loureiro (1995), até a década de 70, Rondônia, assim como parte da Amazônia, viveu isolada do resto do país e mesmo da América Latina. Isso fez com que grande parte da massa de trabalhadores nordestinos, embarcados para a região nos ciclos da borracha, fosse integrada à região, o que nos leva a considerar que até a década de 70, podemos considerar a população do Território Federal de Rondônia como uma população de maioria nordestina. A presença do caribenho era segregada e a do árabe elitizada. Os demais grupos, minorias ou não, eram excluídos.

 

O COTIDIANO DO JUDICIÁRIO

            Como exemplo do fazer jurídico vamos relatar o conteúdo do primeiro Livro da Comarca da Vila de Santo Antonio do Rio Madeira, que mostra como era a prestação jurisdicional naquele momento inicial. No primeiro livro, cuja abertura foi feita em oito de agosto de 1912, estão registrados os atos do Judiciário até 14 de fevereiro de 1918. É uma amostra minuciosa, em forma de relatório que revela os detalhes do caminhar da Justiça.

            As atas eram abertas e encerradas com a consignação de que nada havia sido requerido. No entanto, encontramos exemplares de processos que demonstram, tanto na esfera cível quanto na criminal, que a atividade forense era bastante ativa e significante. De acordo com os registros em atas, os primeiros atos da Justiça, praticados na região que hoje compreende o Estado de Rondônia, foram as audiências públicas. As atas registrando essas atividades foram lavradas a partir de oito de agosto de 1912, na Vila de Santo Antonio do Rio Madeira.

            Na primeira audiência pública realizada no dia 8 de agosto de 1912, ao ser feito o pregão pelo senhor oficial de justiça, foi certificado não ter nenhuma parte comparecido para requerer em juízo. Como era o primeiro ato, o Prefeito, Dr. Joaquim Tanajura, fez uso da palavra e cumprimentou o Juiz, João Chacon, por ter dado início aos trabalhos Judiciários. A Comarca funcionava no prédio da Prefeitura local. O Juiz, representante do Judiciário, agradeceu aos membros do legislativo e do executivo. Estavam, assim, formados oficialmente os três poderes na Vila de Santo Antonio do Madeira que, naquele momento, pertencia ao Estado de Mato Grosso.

            As sessões eram abertas sempre às nove horas, mencionando-se presença do Promotor de Justiça,  Vulpiano Machado. As sete primeiras atas registram o não comparecimento de partes para requerer em Juízo. Na audiência do dia 8 de outubro, dois meses após o início dos trabalhos da justiça, foi decretada a interdição da vila em razão de ocorrências de febre amarela, decretando-se quarentena na Vila de Santo Antonio, suspendendo-se os serviços Judiciários. O juiz determinou que o Coronel Leopoldo de Moraes Mattos, delegado fiscal do governo, e as demais autoridades fossem informadas sobre a decisão.

            Exatamente um mês depois, no dia oito de novembro, com a revogação da medida sanitária, nenhum requerente compareceu em juízo, ocorrendo o mesmo na audiência do dia 5 de dezembro de 1912. Somente no dia 12 de dezembro de 1912, quatro meses após a instalação do Judiciário, é que se registrou uma ação de penhora. A ação foi requerida por Eugênio Garay em desfavor de Izabel de Salles Pessôa e seus filhos menores, buscando garantir o pagamento de uma dívida de Quarenta e um contos, quinhentos e cinqüenta e sete mil reis. Sete dias depois, nova audiência foi realizada, sendo o fato novamente mencionado. O advogado, Edward A. Barreto de Andrade, requereu que se lançasse aos réus o prazo assegurado para embargos.

            Novas atas foram redigidas somente no mês de janeiro de 1913, nada ocorrendo na primeira audiência. No dia 20 de fevereiro 1913, a prestação jurisdicional foi requerida por Dona Maria Amélia Mesquita dos Santos, viúva de Miguel Ferreira dos Santos. A autora do processo solicitou nomeação e avaliação dos bens deixados pelo falecido, o que foi concedido pelo Juiz João Chacon.

            Na semana seguinte, dia 27 de fevereiro de 1913, o serviço jurisdicional foi procurado para solucionar questões de ordem executiva. O processo solicitava a intimação, penhora e certificação de prazo para embargos. Foi concedido o prazo de seis dias para o executado. Nessa mesma audiência, ficou registrado o novo andamento do processo de execução contra Dona Izabel e seus filhos, sendo nesse ato nomeado o tutor e curador dos órfãos.

            Ações executivas continuaram a ser registradas com regularidade. Por outro lado, nas audiências nenhuma parte comparecia. As audiências eram realizadas semanalmente, às vezes, a cada 15 dias. Isso demonstrava uma adaptação da justiça à região, algo semelhante aos procedimentos hoje praticados nos Juizados e Cartórios Itinerantes de forma mais moderna.

            A ação executória, movida por Barata Junior contra Izaac Hadida e sua mulher, teve inicio no dia 27 de fevereiro de 1913 e no dia primeiro de maio do mesmo ano, foi certificado o retorno da Carta Precatória encaminhada à Comarca de Humaitá-AM, cujo objetivo era citar a mulher do executado por edital. Somente 45 dias após a chegada da carta, foi aberta nova sessão e pelo advogado foi requerida a execução da sentença nos autos, sentença esta proferida por um juiz de Humaitá, porque quem estava exercendo a função, na época, em Santo Antonio, era o Sr. Salustiano Alves Correia, Juiz suplente.

            No dia 15 de abril de 1914, a audiência foi aberta no mesmo prédio da Intendência Municipal e o Juiz era o Major Joaquim José de Siqueira. Como a Vila de Santo Antonio pertencia ao Estado do Mato Grosso, todos os recursos e consultas do Juízo eram dirigidos para Cuiabá. Consta da ata de audiência do mês de abril de 1915, a consulta do juiz sobre um possível impedimento em razão de o escrivão ser seu parente. O telegrama de Cuiabá informou que de acordo com o artigo 157, Decreto 225 não havia impedimento. Nesse sentido, observa-se o pronto atendimento de Cuiabá na busca de solução para os problemas.

            A maior parte das audiências realizadas nos anos de 1914 a 1919 foi  encerrada sem que partes interessadas comparecessem em Juízo. Essa característica perdurou ainda por bastante tempo, sendo constatada em livros de atas até a década de 40.

            No mês de julho de 1913, as audiências continuaram sendo realizadas pelo Juiz Suplente, Dr. Salustiano Alves Correia, em virtude do afastamento do Dr. João Chacon, que deu início aos trabalhos Judiciários em 8 de agosto de 1912, permanecendo no cargo, pelo que consta das atas, até 1º de maio de 1913, quando foi substituído pelo Suplente de Juiz,  Salustiano Alves Correia. Retornou em dezesseis de abril de 1914 e exerceu a magistratura até sete de janeiro de 1915. No ano de 1915 foi nomeado para a Comarca de Santo Antonio o Dr.José Júlio Coutinho de Freitas, cujos documentos no Caderno catalográfico demonstram algumas particularidades do período.

            No livro ata nº 1, foi registrado o trabalho da justiça até o ano de 1919. Durante o período de 1914 a 1919 foram autuados 580 processos.

            As atas lavradas até a década de 30 na Comarca de Santo Antonio e depois na Comarca de Guajará-Mirim, dão uma visão informal dos procedimentos da justiça. Ao efetuar a assentada, o escrivão certificava a presença do Juiz e do promotor, as partes aparecem sem que seja mencionado o número dos autos a que pertenciam, dando assim, a impressão de informalidade nos procedimentos da justiça. Ao observarmos os processos, embora no período estivesse em vigor uma Constituição com leis diferentes das atuais, os procedimentos processuais obedeciam a atos muito próximos dos praticados pela justiça hoje. Com essa afirmação, não estamos dizendo que não ocorreram mudanças na justiça. Estamos apenas observando semelhanças nos aspectos formais.

            A partir de 1912, as atas do Poder Judiciário, instalado na Intendência da Vila de Santo Antonio, registram os atos judiciais do período em que a Justiça esteve ligada ao Estado do Mato Grosso. Os Arquivos do Poder Judiciário pertencente à Comarca de Humaitá-AM guardam documentos do ano de 1917 sobre a Villa de Porto Velho. Neles, constam despachos do Dr. Martinho Ribeiro Pinto, Juiz Municipal na época.

            No período em que Porto Velho fez parte do Amazonas e Santo Antonio, do Mato Grosso, é possível observar uma maior agilidade nos processos e no oferecimento jurisdicional mais imediato. Ao transformar-se em território, com a justiça vinculada ao Rio de Janeiro, e os juízes ligados ao Governo Federal, a euforia inicial com a transformação acabou por se desgastar, principalmente, em razão de os juízes terem sido deixados nos Territórios em situação de abandono.

            Na Comarca de Guajará-Mirim, onde a documentação oferece uma visão ampla dos procedimentos judiciais, encontramos um silêncio de mais de dez anos nos feitos. O Livro Cartorial do período registra a sentença do juiz José de Melo e Silva, em 1955, e somente em 1967, com o juiz César Montenegro, foram feitos novos registros.

            Muito já se falou sobre a pujança e a decadência de Santo Antonio (Nogueira, 1913). O local já teve um grande movimento comercial, mas hoje parece habitado por fantasmas, são poucos os vestígios que restaram das antigas habitações. Segundo o livro de escrituras públicas, cujo escrevente é José Cassimiro Bayma, também escrivão do Juízo à época, os inúmeros imóveis da localidade apresentavam características bastante modestas.

            Os terrenos são descritos com suas confrontações e localização. As casas, em sua grande maioria, eram de taipa e cobertas de zinco. Essas características dão aos olhos de hoje, a impressão de uma favela. Eram construções efêmeras que nos trazem lembranças das construções espalhadas pelo sertão nordestino. Casas modestas e de material perecível levando-nos a concluir que a população era bastante empobrecida. As localidades espalhadas ao longo da ferrovia,fazendo uso da imagem que nos é dada por Ítalo Calvino, levam-nos a uma viagem inútil na tentativa de conhecê-las. Elas não permaneceram imóveis, imutáveis para facilitar a memorização. Elas definharam, desfizeram-se e sumiram. Foram esquecidas pelo mundo (Calvino, 1995: 20).

            Em Generoso Ponce, povoado à beira da ferrovia que servia de estação para os viajantes, são raras as casas que apresentam, pela descrição, uma melhor aparência, sendo a descrição, na maioria dos casos, assim: ...casa de taipa coberta de zinco com três portas de frente... Essas localidades com o passar do tempo foram sendo destruídas, restando poucos sinais da sua antiga aparência. Ainda citando Calvino, podemos afirmar que não é possível classificar tais cidades como felizes ou infelizes, mas em outras duas categorias: aquelas que continuam ao longo dos anos e das mutações a dar forma aos desejos, e aquelas em que os desejos conseguem cancelar a cidade ou são por estas cancelados (Calvino, 1995). No caso dessas localidades, os desejos cancelaram as cidades. Passado o período do interesse econômico, não sendo mais interessante politicamente, elas não foram mais amadas.

            De Generoso Ponce, restaram apenas o prédio da estação de Jacy Paraná, algumas casas típicas da ferrovia, o cemitério cujas inscrições das lápides datam o ano de 1919, as caixas d’agua da EFMM e a antiga prisão construída pelos ingleses.

            As escrituras dos seringais também descrevem as poucas e simples benfeitorias existentes. Com exceção dos animais, todo o patrimônio se resumia à produção de borracha. Descrições de grandes seringais com construções são poucas, embora se saiba que elas existiram. A população trabalhadora era, pela descrição dos bens registrados em cartório ou pela relação de pertences arrolados por mortes, de modesta a pobre.

            Os Livros do Cartório de Notas mostram diversas escrituras de perfilhação. Esse procedimento era muito utilizado, pelos homens, como forma de reconhecimento de paternidade (Caderno catalográfico). Encontram-se ainda registradas, muitas procurações de portugueses residentes na Vila, para serem encaminhadas para Portugal. A Madeira-Mamoré, que muito raramente aparecia nos feitos criminais ou cíveis, utilizava a justiça para os serviços de escrituras, conferência de conta corrente, cessões, contratos e distratos.

            Os juizes viviam distantes de tudo. Para receber o salário da Delegacia Fiscal do Estado do Mato Grosso, o Juiz José Julio Coutinho de Freitas, em 1916, deu poderes, através de Procuração, a Empresa I. Essabbá e Companhia, empresa de navegação que à época tinha grande importância e influência na região, para receber os seus proventos na cidade de Manaus, onde havia um caixa da Coletoria do Mato Grosso.

            Curiosidades também podem ser observadas. Salustiano Alves Corrêa, Juiz Suplente em 1916, fez procuração ao Desembargador Luiz Alves da Silva Carvalho para representá-lo no Partido Republicano Mato-grossense. O Major Salustiano era o presidente do Partido Republicano na Vila de Santo Antonio.

            Os dados estatísticos dão uma pequena amostra das atividades jurídicas. No ano de 1914, na Vila de Santo Antonio, encontramos o registro de 58 ações autuadas. Nessas ações figuram habilitações de casamento, sumários de culpa, habeas corpus, arrecadação de bens, executivas, autos crime, alvarás de licença, tutela, inventário e precatórias.

            No Livro de Registros de Processos Autuados encontramos os seguintes dados:

Ano

Número de processos

1915

54

1916

92

1917

162

1918

130

1919

84

1920

52

1921

91

1922

61

1923

59

1924

43

1925

55

1926

127

            As atas de audiências cíveis, que documentam o cotidiano forense na Vila de Santo Antonio, Estado do Mato Grosso, registram até o ano início de 1930 as atividades naquela localidade, observando-se após, algumas atividades constando Santo Antonio do Rio Madeira como pertencente à Comarca de Guajará-Mirim. Essa inversão, oficialmente, ocorreu no ano de 1929, Guajará-Mirim torna-se Comarca aonde o Juiz passa a residir e Santo Antonio é quem vai pertencer à Comarca de Guajará-Mirim.

            Muitos livros são encontrados com poucas folhas utilizadas Até o ano de 1934, os livros registram atividades judiciais em Santo Antonio do Rio Madeira, com a realização de júri popular no prédio da Prefeitura Municipal de Santo Antonio, mas já pertencendo à Comarca de Guajará-Mirim, que criada em 1929 deu continuidade aos serviços iniciados naquela localidade. Foram transferidos para Guajará-Mirim, os livros de registros e a sede de residência do juiz, sendo as audiências registradas ora realizadas no prédio da Câmara Municipal, ora no da Prefeitura Municipal.

            Alguns magistrados, nesse primeiro momento da Justiça no Território, deixaram suas marcas e não podem ser ignorados. João Chacon foi o juiz que realizou a primeira audiência na Vila de Santo Antonio do Madeira em 1912. O Dr. José Julio Coutinho que durante 12 anos, com poucas interrupções, exerceu a magistratura na região (1915 a 1927) e o Dr. Pedro de Alcântara que conforme se vê através das atas de audiência deixou registrada a irreverência de uma personalidade marcante, trabalhando, também, por 12 anos na região, no período de 1933 a 1945.

            Diversos cidadãos, militares ou civis, também deram suas contribuições para a Justiça como juízes suplentes. Isso se constata das assinaturas apostas em atas ou em despachos dos processos preservados. Algumas inversões podem ter sido feitas, porque as atas nem sempre deixam claras as condições funcionais. Algumas assinaturas aparecem uma ou duas vezes, não sendo possível definir o tempo de atividade de cada um. De poucos juízes encontramos os termos de posse. Em alguns períodos, encontramos lacunas ou desencontros na documentação. A saída de um juiz, muitas vezes, era seguido de longo tempo de vacância de cargo. Nesse período respondia o Juiz Suplente.

            Desse período, delimitado como o primeiro momento da presença da justiça na região, quando pertencente ao Tribunal de Relação do Estado do Mato Grosso, é imensa a relação de nomes que em diversos momentos assinaram como juízes de direito, juízes suplentes ou mesmo juízes de paz, sendo que apenas três deles tomaram posse como Juízes de Direito. (Em 1912, João Chacon, em 1915 José Julio Coutinho de Freitas e em 1933 Pedro de Alcantara Baptista de Oliveira).

            O Juiz Pedro Alcântara Baptista de Oliveira, quando da mudança da sede da comarca, passou a judicar na Comarca de Guajará-Mirim, um pouco do seu pensamento como cidadão, e da sua personalidade irreverente, está registrado no Caderno Catalográfico. Interessante observar que estes documentos permitem-nos conhecer o homem que se encontrava por trás da figura do Estado representada pelo juiz. Por vários anos sua presença é observada através das atas, e em 1945, em sessão solene passou o cargo para o seu sucessor, Paulino Amorim de Brito. A partir da criação do Território Federal do Guaporé, os juízes nomeados passaram a ser os pertencentes ao quadro dos juízes do Território Federal.

            Até a criação da Justiça do Estado, a Comarca conheceu apenas mais quatro magistrados, embora muitos Juízes Suplentes tenham sido nomeados para atos da justiça. Em 1950, estava na Comarca o Dr. José de Melo e Silva, exercendo a função de juiz. Ele é um dos autores da letra do Hino de Rondônia; no ano de 1951 o Juiz era Paulino Amorim de Brito; em 1953 retornou José de Melo e Silva, sendo sua assinatura encontrada até o ano de 1959. A Comarca ficou desprovida de juiz por quase nove anos e somente em 1967 Francisco César Soares de Montenegro assumiu o cargo. Em 1977, quando já se marchava para a estruturação da justiça do Estado, assumiu Darci Ferreira, um dos nomeados para Desembargador; quando da criação da Justiça do estado. Francisco César Soares de Montenegro, aposentado como juiz dos territórios federais, retornou ao Estado para, também, assumir o cargo de Desembargador.

Juízes da Villa de Santo Antonio e Guajará-Mirim

1912 - João Chacon (03.08.1912)

1913 - João Chacon (03.08.1912 a 01.06.1913)

1913 - Joaquim José Siqueira (01.06.13 a 01.07.13) 2º suplente

1913 - Manoel Marcelino Cavalcante (01.07.1913 a 01.07.1913) 3º suplente

1913 - Salustiano Alves Correia (01.07.1913 a 30.12.1913) 1º suplente

1913 - Antonio Joaquim de Andrade (30.11.1913) 2º Juiz

1913 - Luzitaneo Correa Barreto (30.12.1913 a 30.12.1913)

1914 - João Chacon ( 27.06.1914 a 30.11.1914)

1915 - Major Joaquim José de Siqueira (01.01.1915 a 30.07.1915)

1915 - Moises José Bensabath (02.08.1915 a 23.08.1915)

1915 - José Julio de Freitas Coutinho (30.08.1915 a 18.03.1922)

1919 - José Julio Coutinho (durante todo o ano)

1920 - José Julio Coutinho (durante todo o ano)

1922 - Major Salustiano Alves Correa (suplente) (20.10 a 13.11.22)

1922 - Major João Lino do Souto (suplente) (18.11.22 a 15.02.23)

1923 - Major João Lino de Souto (23.01.1923) 1º suplente

1923 - José Julio de Freitas Coutinho (01.07.1923 a 22.05.1924)

1923 - José Julio de Freitas Coutinho (13.03.23)

1924 - João Lino de Souto (01.09.1924 a 02.03.1925)

1924 - José Julio de Freitas Coutinho (21.06.24)

1925 - Deffim Paes de Figueiredo (22.08.1925 (...)

1925 - José Julio de Freitas Coutinho (14.11.1925 a 22.07.1926)

1925 - Major João Lino do Souto (05.04.24 a 24.03.25)

1925 - Delfim Paes de Figueiredo (2º suplente de juiz) (28.03.25 a 26.09.25)

1929 - Emygdio Martins de Sá (23.10.29 a 20.05.30)

1930 - Rui Araujo (20.05.30 a 09.01.33)

1926 - José Julio de Freitas Coutinho (19.01.25 a 29.06.26)

1927 - José Julio de Freitas Coutinho (05.10.26 a 15.12 27)

1927 - Irineu Rodrigues de Carvalho- suplente (24.11.26 a 06.06.27)

1927 - José Julio de Freitas Coutinho 13.06.27 a 30.08.27)

1929 - Irineu Rodrigues de Carvalho- suplente (14.12.27 a 18.09.29)

1930 - Emygdio Martins de Sá ( 23.10.29 a 01.10.30)

1931 - Irineu Rodrigues de Carvalho (19.11.30 a 22.04.31)

1931 - Rui Araujo (23. 06.31 a 26.07.31) Guajará-Mirim

1931 - Carlos C. Da Costa ( professor) - 1º suplente (04.07.31 a 21.08.31) Guajará-Mirim

1931 - Rui de Araujo (11.08.31 a 18.01.33 ( Sto. Antonio)

1932 - Rui Garcia e Silva ( 01.09.31 a 30.01.32) Guajará-Mirim

1933 - Carlos C. Da Costa - 1º suplente (02.03.32 a 04.01.33)

1933 - Paschoal P. de Moraes ( 25.01.33 a 29.07.33)

1933 - Paschoal P. de Moraes (03.02.1933)

1935 - Major Francisco D’Artagnam (02.03.33 a 09.04.35)

1933 - Pedro de Alcantara Baptista de Oliveira (01.04.33 a 20.10.33)

1934 - Carlos C. Da Costa - 1º suplente (03.11.33 a 17.04.34)

1934 - Pedro de Alcantara Baptista de Oliveira ( 24.04.34 a 06 04.37)

1935 - Antônio Lima (20.08.34 a 30.03.35)

1935 - Major Francisco D‘Artagnam (03.03.35 a 25.08.35)

1937 - Thales de Paula Souza (20.04.37 a 20.12.37) G.Mirim

1939 - Pedro de Alcantara Baptista de Oliveira ( 28.12.37 a 24.01.39) G.Mirim

1939 - Manoel Boucinhas de Menezes ( 03.02.39 a 28.04.39) suplente G.Mirim

1940 - Carlos Garcia de Queiroz (02.04.39 a 30.01.40) G.Mirim

1943 - Pedro de Alcântara Batptista de Oliveira (04.02.41 a 25.01.43)

1945 - Paulino Amorim de Brito

1950 - José de Melo e Silva

1951 - Paulino Amorim de Brito

1953 - José de Melo e Silva

1959 - José de Melo e Silva

1967 - Francisco César Soares de Montenegro

1977 - Darci Ferreira

 

HUMAITÁ

            A Comarca de Humaitá, desde 1894, ano que registra a abertura do primeiro Livro do Registro de Imóveis encontrado, centralizava todo o atendimento Judiciário do baixo Rio Madeira. Sua jurisdição estendia até o povoado de Santo Antonio do Rio Madeira, só se modificando essa condição quando da criação da Comarca de Santo Antonio em 1914.

            A cidade de Humaitá foi criada no ano de 1890 e a sua comarca em 10 de abril de 1891. O município chegou a possuir uma das maiores extensões de terras da região. Em 1913, parte das terras passou para o município de Porto Velho. No ano de 1905, o Estado do Amazonas já possuía 16 Comarcas e 25 Termos Judiciários (Neves, 1993). Da documentação do período muita coisa se perdeu.

            O cartório do 2º Ofício daquela comarca informou que em decorrência do “quebra-quebra” promovido pela população no ano de 1991, por coincidência ano do centenário da justiça, grande parte da documentação foi destruída. É de conhecimento público o incidente em que a população enfurecida, em movimento popular, destruiu parte da documentação da cidade e da comarca.

            Os livros cartoriais, existentes na comarca, remontam informações do século passado, e dão uma visão das condições econômica e social dos habitantes das localidades atendidas. Mesmo com a instalação da Comarca de Porto Velho a Comarca de Humaitá continuou prestando atendimento às localidades próximas de Porto Velho, como o Lago Cuniã, até aproximadamente a década de 40.

            No primeiro livro existente, utilizado pelo Cartório de Registro de Imóveis, estão registrados os grandes seringais da região como Cujubim, Abelha e os do Rio Jamary. Muitas casas foram registradas no nome dos mesmos proprietários dos seringais. Nos registros, o nome vem sempre antecedido da patente de major, capitão ou tenente. Comentamos anteriormente quanto a característica de fragilidade das construções descritas nos livros da Comarca de Santo Antonio dando uma visão de uma população empobrecida. A documentação sobre Humaitá nos transmite uma visão mais sólida. Os livros de registros atestam que as casas eram construídas de madeira e cobertas de telhas.

            As transações comerciais feitas nos seringais dão uma visão de movimento, voltada para a produção Os nomes dos seringais tradicionais permaneceram sendo citados até a década de 70.          

            A partir da década de 30, foram registradas inúmeras compras de imóveis efetuadas pela Prelazia, observando-se a venda de parte desses imóveis na década de 70.

            O livro mais antigo de assentos de nascimentos e casamentos é datado de 1891 e assim registra sua abertura:

“Há de servir este livro para n’elle se lavrar os autos de casamentos que civilmente se effectuarem na Parochia desta Villa d’Humaythá. Leva no fim o competente termo de encerramento que consta o número de folhas que contem. Humaytha, 7 de Fevereiro de 1891".

            O referido livro, registra as datas das cerimônias de casamentos da época. A primeira ata registra o casamento de um cidadão português de 34 anos de idade com uma viúva de 45 anos natural de Santarém-PA. Esse foi um casamento especial, porque, no geral, os portugueses tinham preferência pelas moças mais jovens.

            Na região, proliferaram as uniões irregulares e houve uma intensa miscigenação, mas os livros dão uma visão formal dos fatos. Com exceção dos portugueses que casavam com as amazonenses, paraenses e maranhenses, os demais grupos pareciam proteger-se, pois os casamentos eram realizados somente entre conterrâneos, ou seja, cearense com cearense ou pernambucano com pernambucana.

             No primeiro livro, aberto em 1891 e utilizado até 1893, foram registrados 70 casamentos, número este aumentado nos anos seguintes, registrando o livro nº 02, 194 cerimônias em período quase idêntico. O de nº 03, que registrou os casamentos de 1899 a 1902, chegou ao número de 248, sendo que permaneceu a característica já comentada, ou seja, os casamentos continuaram se realizando entre pessoas da mesma região e outras observações já mencionadas.

            Em Humaitá, a presença de migrantes do Rio Grande do Norte era menor do que a observada em Santo Antonio, Porto Velho e Guajará-Mirim. Nas imediações de Humaitá a presença dos cearenses foi marcante. Os sírios que também marcaram presença de Porto Velho a Guajará-Mirim, muito pouco aparecem na documentação de Humaitá, ficando, como já dito, o destaque para os cearenses, paraenses, maranhenses, amazonenses e outros nordestinos, assim como os portugueses.

            O segundo livro de registros de casamentos, da Comarca de Humaitá, datado de 1894, embora as atas certificam que os casamentos foram realizados em 1893, por falta de livro, foram registrados somente no naquele ano. Os dez primeiros casamentos têm oito noivos cearenses, um paraense e um amazonense. Esta estatística se repete também com as noivas apresentando sete cearenses, uma paraense e duas amazonenses.

             A Comarca de Humaitá registra não só o atendimento da justiça, mas principalmente o perfil do usuário da prestação jurisdicional.

 

PORTO VELHO

            Porto Velho surge em função da Construção da Ferrovia Madeira-Mamoré (Hardman, 1988; Ferreira, 1987). Nesse primeiro momento, as atividades locais eram centralizadas e controladas pela companhia americana, responsável pela obra, estando os trabalhadores sujeitos às suas normas. Havia dentro do pátio da ferrovia cela para prisão dos infratores, ou seja, a Villa de Porto Velho, como foi denominada desde o início da construção da ferrovia em 1907 (Nogueira, 1913: 9) passou a ter o seu movimento em torno da Madeira Mamoré que possuía leis próprias para os trabalhadores (Lopes, 1995).

            Como nas Cidades Invisíveis de Ítalo Calvino (1995), conviviam lado a lado duas cidades, uma moderna e aparentemente organizada e a outra como a alma daquela refletindo seus desejos sufocados, crescia enredada qual musgo (1995: 54). O pátio da ferrovia era uma cidade com os recursos do mundo moderno, da máquina à vapor e do telegráfo. Nos seus arredores foi crescendo a cidade de Porto Velho, com suas vergonhas expostas, e a pobreza aglomerando-se em favelas. Pensava-se que fossem duas, queriam que fossem duas, mas elas, gêmeas siamesas, possuíam apenas uma cabeça com dois corpos.

            Os registros processuais datam do ano de 1914, como início das atividades jurídicas na Vila de Porto Velho, mas em razão desse Estado à parte, criado pela ferrovia, em Porto Velho, ao contrário de Santo Antonio, Guajará-Mirim e mesmo Humaitá, a justiça teve uma performance tímida nas primeiras décadas. Além disso, Porto Velho em alguns momentos, funcionou como Termo Judiciário da Comarca de Humaitá, podendo-se perceber, pela documentação dos cartórios do Registro Civil e Imóveis analisados em Humaitá, que Porto Velho era muito ligada àquela Comarca. Até a década de 30, as atividades do referido Cartório do Registro Civil e Imóveis de Humaitá estendia seu atendimento a localidades próximas à Porto Velho, como Lago Cuniã, Samuel e outras localidades às margens do Rio Madeira.

            Santo Antonio não sofria o controle da ferrovia, por isso teve grande movimento nas atividades sociais e comerciais. Assim, as características apresentadas no cotidiano Judiciário podem ser consideradas como da região. Em razão das proibições, normas e hipocrisias sociais existentes na Vila de Porto Velho, Santo Antonio servia à população como uma  “Sodoma dos Trópicos” (Lopes, 1995).

            Os estrangeiros e brasileiros funcionários da estrada de ferro não estavam sujeitos ao controle do Estado brasileiro. Eram controlados pelas leis da ferrovia. Os sírios, portugueses, espanhóis, bolivianos e peruanos exerciam atividades como comerciantes, caucheiro, seringueiro, apareciam nos processos, demonstrando serem controlados pela hierarquia do Estado Brasileiro, que tinha instalado o Judiciário, assim como juízes suplentes, juízes de paz, delegados e subdelegados nas povoações com os instrumentos necessários ao controle. Sobre esse controle, verificamos em processos do período, a estrutura instalada, conforme comentando em vários momentos desse trabalho, em relatos de fatos ocorridos tanto nas povoações pertencentes ao Mato Grosso como no Amazonas, e a pronta providência quando do acionamento do Estado.

            Porto Velho tinha um Estado organizado dentro do pátio da ferrovia. Com uma polícia própria assim como procedimentos próprios. Evandro da Rocha Lopes em seu trabalho de pesquisa afirma que “Manter a ordem e a lei no pátio ferroviário da Madeira Mamoré foi uma preocupação dos construtores desta estrada de ferro, que quando necessário, organizava sua própria guarda armada. A Companhia mantinha seus trabalhadores sob vigilância, cuja finalidade era evitar fugas; controlar a mão-de-obra e viabilizar a administração das doenças, de forma que seus homens não sucumbissem diante do trabalho”. (1995:12)

            Documentos relativos à ferrovia descrevem a região como sendo desprovida do atendimento policial. Por esta razão, a Companhia montou a sua própria Polícia em 1910 (Lopes, 1995), exercendo sobre os trabalhadores um controle rígido quanto a bebidas e mulheres, segundo vários autores (Ferreira, 1966: 44; Lopes, 1995: 14), quando os trabalhadores transferiam-se para a localidade de Santo Antonio.

            A maioria dos trabalhadores vinculada à ferrovia era estrangeira. Existem poucos registros em processos judiciais de estrangeiros, trabalhadores da ferrovia, citados como testemunha ou envolvidos em qualquer ato ilícito ou mesmo como parte em qualquer processo. O controle exercido pela ferrovia dentro dos seus limites era estendido às ações dos seus trabalhadores. Somente a partir dos anos 60, a Estrada de Ferro Madeira Mamoré passa a ser acionada, inúmeras vezes, em ações de execução, liberação de alvarás e pensões alimentícias contra os seus trabalhadores.

            Cabem algumas considerações sobre as afirmações acima. Afirmamos a ausência da Estrada de Ferro dos processos judiciais, e em alguns momentos citamos casos de trabalhadores estrangeiros envolvidos. Os casos referenciados de árabes, portugueses, espanhóis, deixam clara a situação de trabalhadores não ligados a Empresa. Eram comerciantes ou viajantes, ou mesmo prestadores de algum tipo de serviço fora dos pátios da ferrovia.

            Apesar dos esforços da Madeira Mamoré para controlar os trabalhadores, fora dos domínios da empresa começaram a formar-se os bairros, referenciados desde 1912. (Cantanhede, 1950). Neles, aglomeravam-se trabalhadores que fugiam do controle da empresa (Menezes, 1998).

            Os processos criminais, de 1914 a 1922, demonstram que os fatos ocorridos na cidade de Porto Velho trazem características idênticas às de Santo Antonio. Apesar da pouca quantidade de documentos os raros exemplares de processos guardam as mesmas características tanto quanto aos crimes que aparentam uma certa timidez. Podemos afirmar que essa timidez aparente é conseqüência da falta de documentação e ocorreu em face da instabilidade da Comarca de Porto Velho que em alguns momentos era Termo Judiciário daquela, acrescido do controle por parte da Companhia.

            Em Porto Velho ficava localizada a sede do Judiciário e havia ainda as subdelegacias. Dentro das possibilidades e realidade daquele momento, a justiça oferecia atendimento à população.

            Na esfera cível, até a década de 50, Porto Velho conservou poucos processos. São raros os exemplares de ações de inventários e separações.

            Até os anos 40, na cidade de Porto Velho a presença da mulher praticamente não é percebida. Isso pode ser em razão da pouca documentação existente, pois em Santo Antonio e Guajará-Mirim, a mulher se mostra mais presente nos processos, seja como partes interessadas em ações de inventários, como testemunhas nas cerimônias de casamentos seja como noivas. Em muitos, eram arroladas como testemunhas de crimes envolvendo brigas, bebedeiras e outras mulheres. Os casos de estupro e brigas em festejos acabaram por mostrar mais cedo a mulher na região de Santo Antonio e Guajará-Mirim.

            Em Porto Velho, a mulher demorou mais para aparecer nos processos, porém quando aparece, traz as mesmas características de Santo Antonio, ou seja, estão envolvidas em brigas com vizinhos, são pivôs de brigas em festas, estupro, e objeto de cobiça e sedução dos homens ou mesmo sobre eles. As esposas tradicionais aparecem acompanhando os nomes dos maridos em procurações, registros de imóveis, certidões de nascimentos e casamentos.

            A mulher aqui na região de fronteira (D’Incao, 1995), pelas necessidades de sobrevivência, apresenta características diferentes da mulher das regiões Sul e Sudeste do país. Por isso, é necessário um olhar desprovido dos preconceitos culturais de outras regiões brasileiras, para melhor percebê-las.

            Apesar de a região ter sido formada por maioria nordestina, e dela ter adquirido alguns hábitos quanto à alimentação e outras particularidades, na essência cultural quanto à postura social e valores já na primeira geração, isto é, os filhos dos nordestinos nascidos na Amazônia, tanto homens como mulheres, estará modificada, conservando basicamente valores sentimentais.

            A mulher enquanto participante ativa na sociedade vem de uma longa história de exclusão, uma luta constante para ocupar espaços, aflorada nas últimas décadas. No Judiciário, como nas outras esferas a mulher foi ocupando aos poucos seus espaços. No começo do século não se observa em nenhum momento a presença delas em atividades judiciais, a não ser, com o nos casos já comentados, das testemunhas, vítimas, rés ou partes nos procedimentos cíveis. Na década de 50, alguns nomes aparecem nas listas de jurados de Porto Velho. A primeira mulher a exercer o cargo de juiz de direito do território foi Maria Elisa Chamberlain que, na década de 70, era juíza temporária na Comarca de Porto Velho.

            No primeiro concurso para magistrado no Estado, apenas uma mulher, Ivanira Feitosa Borges, logrou aprovação. A cada concurso para a magistratura do Estado, as mulheres foram conquistando seus espaços, sendo hoje 17 o número de mulheres juízas que ocupam ou ocuparam cargos no Estado.

            Cantanhede afirma que a Comarca de Porto Velho foi criada em 31 de agosto de 1917 (Cantanhede, 1950: 68), e instalada em 15 de novembro de 1917, por força da Lei n. 900, tendo como primeiro juiz Juventino Lins Themuco que em razão de sua aposentadoria, foi sucedido por Arthur Virgilio do Carmo Ribeiro (Cantanhede, 1950). Em 1919, era Juiz Municipal Joaquim Gomes de Oliveira e Silva, e suplentes João Moreira Lima, Marcos de Castro Menezes e Raimundo Campos (Cantanhede, 1950).

            Conforme a documentação encontrada nos arquivos do Tribunal de Justiça, o processo mais antigo é do ano de 1914. Nesse processo, o juiz é Nathanael de Albuquerque. Em 1916 os despachos são assinados por Martinho Pereira Pinto que aparece anteriormente como advogado em processos da Comarca de Santo Antonio.

            Embora a bibliografia citada date a criação da Comarca em 1917 e dê como primeiro Juiz Themuco, frisamos que pela documentação do acervo Histórico do Tribunal de Justiça, os primeiros despachos foram assinados em 1914, pelo Dr. Nathanael de Albuquerque - Juiz Municipal. Juventino Lins Themuco, em 1917, era juiz da Comarca de Humaitá, e possivelmente o desencontro de informações resida no fato de Porto Velho ter sido Termo Judiciário pertencente à Humaitá, havendo um mobilidade de jurisdição naquele momento. Os processos autuados registram os crimes ocorridos na então Villa de Porto Velho, termo Judiciário da Comarca de Humaitá.

            Em alguns documentos encontramos despachos assinados por Lins Themuco em processos autuados em Porto Velho em 1917, sendo mais marcantes em 1919, porém como o presente trabalho tem por objetivo mostrar a presença da justiça da região, os documentos não deixam dúvidas quanto a atividade da justiça desde o ano de 1914.

            O documento mais antigo que registra a presença do Judiciário em Porto Velho, é um Inquérito Policial iniciado em 1º de abril de 1914, dando conta da agressão que teria praticado o paraense João Ferreira contra o barbadiano Duncan Bourne, conhecido por João Cândido. Cabe aqui uma ressalva, haja vista a afirmação anterior de que os estrangeiros se fizeram ausentes dos procedimentos judiciais, e exatamente o primeiro processo encontrado é de um barbadiano. Duncan Bourne, embora ostentasse a nacionalidade barbadiana, era conhecido por João Cândido, não tinha profissão definida e via-se constantemente envolvido em bebedeiras e brigas. Era, portanto um excluído.

            São de 1916 os primeiros despachos assinados pelo Dr. Martinho Pinto. Estão nos autos de processo crime contra o comerciante turco, Julio Ali Mamud, que agrediu a tiros um funcionário da Superintendência Municipal, por causa de desentendimentos em torno da medição de um terreno na antiga Rua da Palha . Esses autos guardam uma grande documentação, como um rol de testemunhas composto de 12 cidadãos, dos quais dois eram funcionários municipais, um agente de polícia, cinco artistas, dois comerciantes e três funcionários do comércio. Sob a condução do Dr. Martinho Pinto, o processo foi levado a júri em 2 de março de 1917, sendo o réu foi absolvido. No ano seguinte, 1917, outro processo criminal é instaurado contra outro turco, Emilio Mamud que agrediu com uma faca o compatriota Felippe Nicolau Fares, causando-lhe ferimentos. O processo foi suspenso após ter o réu pago fiança, em agosto daquele ano.

            Segundo Cantanhede, por força da Lei 1.126, de 5 de novembro de 1921, foram suprimidas algumas Comarcas do Estado do Amazonas. Porto Velho foi novamente anexada à Comarca de Humaitá, sendo restabelecida três meses depois, através da Lei n. 1.133 de sete de fevereiro de 1922. Com o restabelecimento da comarca, reassumiu, como juiz, o Dr. Arthur Virgilio do Carmo Ribeiro (Cantanhede, 1950).

            A figura do Juiz suplente e do Juiz de Paz são constantes, tanto em Porto Velho como em Santo Antonio e Guajará-Mirim, podendo-se fazer uma comparação, grosso modo, com os Juízes Temporários, figuras criadas pela Justiça Federal para suprir carências dos Territórios, muito usada na década de 70.

            A cidade de Porto Velho seguia sendo delineada desde 1914 sobre o traçado que hoje conhecemos como centro comercial. Nos arredores da Empresa, Madeira-Mamoré que era a cabeça, ficava a alma e o corpo da cidade, ignorada pelo caráter moderno e capitalista. Para esse corpo e alma estava instalada, bastante tímida a justiça.

            Dos anos de 1914 a 1957, resistiram ao tempo 75 autos da área criminal. Da área cível, temos apenas 15 processos que abrangem os anos de 1932 a 1959. Os outros anos apresentam total silêncio de documentação. Essa ausência também é resultado da instabilidade daquele período. A Comarca, nesses momentos, ficou sem juiz ou então, por razões políticas, a jurisdição era transferida.

            Do período da instalação da Justiça, em 1912, até a década de 50, muito pouco sobrou das atividades judiciárias na Comarca. Mas os poucos autos existentes demonstram que a prestação jurisdicional era presente na vida da população que vivia na vila. Existia, inclusive, uma sub-delegacia em Fortaleza do Abunã que dava atendimento naquela região.

            Já no final da década de 40, o livro de sentenças e de atas de júri apresenta poucos processos. As sessões de júri eram realizadas no Colégio Barão de Solimões (Cantanhede, 1950). Em 1951, uma ata registra o júri era realizado também no Clube Internacional clube, construído pela Madeira-Mamoré, antes sob a denominação de Associação Instrutiva e Beneficente de Porto Velho, atual Clube Ferroviário (1950: 119). O livro aberto em 1951 registra em ata a realização de júri, em 1953, já no Fórum Rui Barbosa. Nessa mesma ata, consta a presença do Dr.Fouad Darwich Zacarias como advogado.

            No ano de 1955 permanecia como juiz da Comarca de Porto Velho, o Dr. Theodoro Vaz de Abreu Assumpção, na Comarca desde 1948. A partir de 1956, o juiz da Comarca de Porto Velho foi o Dr. Joel Quaresma de Moura que, conforme depoimentos, foi cassado no período da revolução. Assim como ele, também sofreu cassação o Dr. Alberto Pacca, em decorrência de conflitos fundiários ocorridos na década de 70.

            Embora não existam registros de entrada de inquéritos ou processos nos anos anteriores, verifica-se que na década de 60, muitos processos foram arquivados por lapso prescricional. Versavam sobre crimes cometidos nos anos de 1951 e 1952. No ano de 1965, 170 processos foram arquivados por prescrição, dentre eles os referentes aos artigos, 121 (homicídio), 129 (lesão corporal), 217 (sedução), 155 (furto).Tais crimes haviam sido praticados no final da década de 40.

            Numa estatística parcial, como já dito, pouco restou da documentação da Comarca de Porto Velho. Encontram-se no Arquivo Geral do Tribunal de Justiça, na área criminal, do ano de 1916 a 1969, 629 processos criminais e 1.989 cíveis. De 1970 a 1979, encontram-se arquivados 1907 feitos criminais, e 8.334 cíveis, permanecendo essa desproporção de 1980 a 1982, quando o número de processos cíveis foi de 5.411 para 1.556 criminais.

            Em 1960, foram ajuizadas 1989 ações cíveis, desse total, 540 foram execuções. Na década seguinte, o número de execuções aumentou para 4.189, alcançando 2.900 processos somente no período de 1980 a 1982. Além das execuções, as ações de alimentos também tiveram um grande crescimento. Na primeira década, encontramos 87 ações de alimentos, na segunda década esse número subiu para 248. Nos anos de 1980 a 1982 tramitaram 481 pedidos de pensão alimentícia.

            A Justiça em Porto Velho, segundo a documentação preservada, a partir dos anos 60, apresenta maior crescimento na área cível. Já Guajará-Mirim, de 1945 até os anos 70, demonstra um grande distanciamento, um afastamento da população. Estas observações baseiam-se nos livros de registros cartoriais, que apresentam pequeno número de sentenças e audiências. O livro que registrou as sentenças no período 1950 a 1959 tem apenas 30 folhas utilizadas. A retomada da justiça na Comarca em Guajará-Mirim ocorreu a partir de 1967, quando da posse do Juiz Francisco César Soares de Montenegro.

            No período do Território, e aqui contamos com o apoio das entrevistas de alguns desembargadores e advogados atuantes na época, a justiça apresentou-se distante da população. Em discurso, por ocasião da entrega da Comenda do Colar do Mérito Judiciário, o Desembargador Hélio Fonseca fez uma explanação sobre os caminhos percorridos pela Justiça do Estado, nas últimas décadas. Esses registros alcançam apenas o tempo possível da memória, mas estão sendo utilizados como forma de suprir a frieza da pouca documentação existente, e de se ter uma visão mais ampla das atividades da Justiça.

       “Havia pontos, na imensa Comarca de Porto Velho, que demandavam dois meses de viagem para serem atingidos. As leis novas ficavam ignoradas por meses e anos, pois eram raros os Diários Oficiais que chegavam com muitos meses de atraso, quando chegavam. Para agravar mais ainda as coisas, o Tribunal distante tratava com desdém a Justiça dos Territórios, negando aos seus Juízes e Promotores até o sagrado direito de serem promovidos à segunda Instância. Eram verdadeiros degredados, condenados a chegar ao fim da vida no cargo inicial da carreira. O resultado era o desânimo, a apatia, de que só os mais resolutos conseguiram escapar”.(Des. Hélio Fonseca)

            Pelos autos existentes, pode-se traçar um panorama da sociedade portovelhense ao longo do século XX, que ainda permanece em traços sutis. Pelos depoimentos das testemunhas, resgatamos ruas, casas comerciais, atividades profissionais, cultura, hábitos em geral e, principalmente, reconstruímos o perfil da população.

            Pelos inquéritos policiais, qualificação das testemunhas e partes envolvidas, percebemos que a grande massa era formada por trabalhadores dos seringais. Essa população aglomerava-se nos bairros pobres que iam surgindo. O Bairro Alto da Favella ficava localizado nas proximidades do atual prédio do TRT (Tribunal Regional do Trabalho), ao lado do Cemitério dos Inocentes. Nos fundos ficava o Bairro do Mocambo. Esses bairros eram formados por homens e mulheres, na maioria analfabeta, originária de Estados do Nordeste como Ceará, Piauí, Bahia, Rio Grande do Norte e também por paraenses e maranhenses. Viviam em dificuldades e por isso acabavam envolvidos em atritos.

            Nas primeiras décadas, o Judiciário funcionou em locais provisórios. Assim como em Santo Antonio, a Comarca de Porto Velho também funcionou anexada ao prédio da Intendência Municipal (prédio administrativo). Por diversas vezes, as audiências foram realizadas nas dependências dos cartórios e o escrivão registrava os atos como realizados “ em meu cartório no endereço....”

            Somente no final da década de 40, foi registrada a localização do prédio onde funcionava o Fórum. A descrição de Cantanhede (1950) passa uma imagem bastante simples do Fórum de Porto Velho.

       “ À rua Prudente de Morais, nº 1944, em taboleta tôsca, mal pintada, lê-se o seguinte: A Justiça da Comarca de Porto Velho agradece ao governo do Território do Guaporé na pessoa do tenente coronel Joaquim Vicente Rondon a aquisição desta casa para funcionamento do Fórum.”

            Esse prédio a que Cantanhede faz referência era o Palácio da Justiça - Fórum Ruy Barbosa, e foi adquirido pelo então governador do Território, Vicente Rondon, no ano de 1947. Quem mandou pintar a placa foi o Dr. José da Silva Castanheiro, Juiz Substituto, que desde o ano de 1939 judicava na comarca. Cantanhede registra, ainda, a solenidade de lançamento da primeira pedra do Fórum Ruy Barbosa, na Praça Marechal Rondon, onde funciona até a presente data.

       “No dia 5 de novembro de 1949, pelas dez horas do dia, acompanhado de grande massa popular, das autoridades do Território e de representantes do Clero, chegava à Praça Rondon, o Exmº Sr. Dr. Joaquim de Araujo Lima, Governador, para a solenidade do lançamento da primeira pedra do edifício que será o futuro Palácio da Justiça de Porto Velho”.

            Cantanhede registra como fato curioso o ritual da solenidade de lançamento da pedra fundamental do Fórum.

       “Com a palavra o Revdmo. Padre Luiz Venzon, Diretor do Ginasio Dom Bosco, lançou a benção à lage que devia cobrir a cavidade onde iam ser depositados, em recipiente de vidro, herméticamente fechado, ata do cerimonial, um número do “Alto Madeira”, moedas divisionárias de circulação no momento, e o discurso alusivo ao ato proferido pela Professora, Senhorinha Helena Ruiz”.

            Ainda segundo o autor, a cerimônia fez parte das comemorações do centenário de Ruy Barbosa. Nessa data, ficou assentado que o futuro Palácio da Justiça levaria o nome do homenageado. Constam ainda os discursos do Juiz da época, Theodoro Vaz de Abreu e Assunção e do Dr. Araújo Lima.

            O assentamento da justiça em Porto Velho está datado de 1949. De lá para cá, passamos a ter um registro mais presente da prestação jurisdicional. O registro de sentenças e sessões de júri, em livros próprios, estão preservados para estudo.

            Apesar da pouca documentação, na antiga Comarca da “Villa de Porto Velho”, pode-se observar que, no ano de 1918, a numeração correspondente aos documentos juntados nos autos é bastante alta. Nas certidões aparecem números elevados como 300 e até 1582. Isso deixa transparecer uma atividade maior da que foi possível preservar.

 

O PERÍODO DO TERRITÓRIO

            Essa nova fase política da região tem como marco a criação do Território Federal do Guaporé em 13 de setembro de 1943, cuja instalação ocorreu em 24 de janeiro de 1944. Analisando pelo cotidiano da justiça, essa fase vai dar início ao quase desaparecimento das atividades judiciárias na região.

            A Justiça até o final do Segundo Império era centralizada, por isso, o advento da República passa a ser considerado um grande avanço pelos juristas (Werneck, 1998). No caso dos Territórios como, por exemplo, em Rondônia, houve um processo inverso. Com a transformação em território, a justiça passa a ser centralizada pelo Governo Federal. Isso gerou sérios problemas para a atividade judicial. Na ata de audiência do dia 1º de outubro de 1943, o Juiz da Comarca de Guajará-Mirim, Dr. Doutor Pedro Alcântara de Oliveira, registrou a satisfação que sentia por estar trabalhando no recém-criado Território de Rondônia, sob a administração de Aluízio Ferreira e do governo do Presidente Getúlio Vargas.

       “Pelo Juiz foi dito que: sendo esta a primeira audiência a realizar-se depois da execução do Decreto-Lei que creou o Território do Guaporé abrangendo toda esta Comarca, se congratula com os seus jurisdicionados pela realização de tão alto anseio das populações desta região, a que só o pulso forte e a enverdagura moral do Presidente Getúlio Vargas poderiam levar a cabo obra tão meritória para toda a nação. Disse ainda o M.M. Juiz que se congratulava também com o Sr. Major Aluisio Ferreira, pioneiro maximo dessa grandiosa realização, e cuja perseverança devemos em grande parte este alto empreendimento”.

            A mudança mexeu com os sentimentos do povo naquele momento. O Juiz Pedro de Alcântara registrou de várias formas essas emoções nas atas de audiência.          

“Pelo Juiz foi dito que sendo esta a primeira audiência que se realisa no advento do novo regime politico deste Território do Guaporé, liberto agora das peias e nefasta administração do governo do Mato Grosso, sente-se satisfeito em congratular-se com os seus jurisdicionados e serventuarios da Justiça pelo auspicioso acontecimento tanto quanto para seu primeiro governador foi nomeado, pelo chefe da Nação, o Senhor Major Aluisio Ferreira, criterioso cidadão, honrado Militar, competente administrador e infatigavel obreiro do bem, homem assim talhado para faser a grandesa de prosperidade de toda essa região sempre abandonada pelas administrações dos governos a quem pertencia...”

            Esses documentos demonstram grande insatisfação do povo com a administração do governo do Mato Grosso. A mudança criou grande expectativa. Esse sonho, manifestado no início pelo Judiciário através do juiz, do promotor e dos funcionários da Justiça, com o passar do tempo tornou-se pálido. Havia um sentimento de que o Estado do Mato Grosso teria abandonado a região. Com a decadência econômica, a região ficou enfraquecida e passou a não ter mais a atenção necessária do Estado. A mudança para Território, naquele momento, trazia a expectativa de acontecimentos melhores. Isso não ocorreu. Os investimentos por parte do Governo Federal na região, apesar de alguns momentos de euforia, foram fugazes. Rondônia atravessou as décadas de 1930,1940 e 1950 sem estrutura econômica e sem organização social. As ações cíveis, até 1960, se prendiam a inventários e execuções. Eram raros os casos de desquite que chegavam à esfera judicial. Com o advento do regime forte na década de 60, ocorreu uma pálida melhora, impulsionada pela migração.

            Conforme já afirmado anteriormente, das décadas anteriores restam poucos documentos que possam mostrar a quantitatividade de ações e proporcionar leituras mais amplas da cidade de Porto Velho. No entanto, podemos afirmar por uma observação ampla proporcionada pela documentação do Mato Grosso, até o período que antecedeu a criação do Estado que não ocorreram mudanças nas características das ações, cíveis e criminais e nas necessidades da população na região da Comarca de Porto Velho, até onde foi possível alcançar o atendimento da justiça.

            Nas primeiras décadas, após a criação do território, existia apenas um Juiz para Porto Velho e outro para Guajará-Mirim. Os juízes temporários foram um paliativo criado pelo Governo Federal para amenizar as necessidades dos territórios. Mesmo assim, o antigo ritmo de um livro, para registrar sentenças e audiências, foi modificado. Nos anos de 1940 a 1960 foram utilizados quatro livros de registros nos trabalhos cartoriais, sendo que alguns tiveram apenas abertura e utilização de poucas folhas para registro. A partir de 1970, os livros de sentenças, passaram a ser datilografados tendo sido utilizados 23 livros somente para as sentenças do juízo criminal.

            O declínio ou afastamento da presença do Judiciário nos anos de 1950 até 1960, logo após a criação do território, é nítido na Comarca de Guajará-Mirim, onde havia continuidade nos trabalhos da Justiça desde o começo do século. A Comarca chegou a ficar por quase dez anos sem juiz, ou seja, o Estado deixou de exercer o seu controle por completo desinteresse pela região. Durante todo esse período o grande líder político da região era Aluísio Ferreira.

            A partir de 1960, quando o montante de processos arquivados em Porto Velho é muito maior, torna-se possível ter uma visão mais ampla da Justiça. Ações de alimentos, execuções e ações trabalhistas demonstram um maior atendimento. Aqui podemos afirmar que houve evolução no alcance da justiça pelo seu aparelhamento, mas também numa postura mais consciente da coletividade buscando soluções para seus problemas, o que poderia ser entendido como um maior reconhecimento do Judiciário.

            Já a década de 70 representou um período de crescimento para a justiça. Mesmo com o isolamento e a desatenção do Governo Federal para com os territórios, a justiça foi procurada pela população, talvez em decorrência do aumento da migração, e conseqüentemente, do aumento populacional. A procura maior naquele momento, era para resolver problemas fundiários. Na esfera cível, um grande número de possessórias foram ajuizadas, enquanto que na esfera criminal houve crescimento no número de ações por sedução.

            As possessórias e os problemas fundiários tiveram ampla atenção do Judiciário, seja na ação da justiça para com os jurisdicionados, seja na atividade do juiz. Nesse período, ocorreram as cassações dos juízes, que segundo o advogado Pedro Origa, e o Desembargador Aldo Castanheira, estavam ligadas a questões fundiárias e ao momento político.

       “... Sua visão e dos juízes da época, era de um magistrado que devia aplicar a lei. Existia a lei e ele tinha que cumprí-la, já o Incra, quando aqui chegou, achava que a lei era ele. E acumulando a função de Juiz Federal, não entregou a sua caneta para o Superintendente do Incra, gerando assim os primeiros problemas. Concedia liminares e garantia a liberdade de cidadãos perseguidos pelo órgão. Tais problemas se avolumaram e, após processo inquisitorial, culminou com a sua cassação. O problema que o dr.Pacca enfrentou, que culminou com sua cassação, atribui-se à época do arbítrio”.(Pedro Origa)

       “...Por essas questões, os ânimos foram se exacerbando e parece-me que ele foi se complicando, as defesas que ele andou fazendo, segundo consta, ele não se saiu bem. A situação ficou muito complicada e ele acabou sendo cassado. Foram cassados ele e o titular do cartório único, o senhor Durval Gadelha, que tinha mais de trinta anos como cartorário aqui”.( Des. Aldo Castanheira)

            A Justiça do Território também se ressentia do isolamento. Tanto advogados como juízes militantes dos períodos deixam claras as dificuldades existentes naquele momento.

       “O Poder Judiciário, na época, dos Territórios existia como uma figura decorativa, já que inclusive, qualquer ato contra o governador, a jurisdição era do Distrito Federal”. (Pedro Origa)

       “Então, carreira do Juiz morria aqui. As pessoas que não tinham um apoio psicológico desanimavam. Um Juiz ficava aqui de cinco a dez anos, e via um Juiz do tempo dele, sendo promovido a Desembargador e ele sem esperança alguma de chegar. Ele entrava em colapso psicológico”. (Des. Hélio Fonseca)

            Com o isolamento e a política agravaram-se os problemas. A região sofreu o inchaço provocado pela migração e passou a ter dificuldades diversas, varias vezes salientadas pelos magistrados nas exposições de motivos de suas sentenças.

       “... é público e notório, que à capital do território tem afluído uma série de elementos de péssimos antecedentes, numa verdadeira corrida em busca do sucesso fácil, pela propaganda que existe no Sul do País, em torno do progresso e facilidade existentes em nossa região e principalmente em nossa Capital, para se vencer na vida. Muitos homens honestos têm chegado, contribuindo para o progresso do território, para a sua grandeza, mas infelizmente, muitos marginais têm aportado em nossa Capital, sendo necessário que as autoridades, como o faz o Senhor Delegado, estejam sempre vigilantes...” (Sentença proferida pelo então Juiz de Direito Francisco César Soares de Montenegro)

            Ocorreu, naquele momento, um aumento considerável na procura de soluções através do Judiciário. Podemos destacar a década de 70 como uma das mais importantes para os acontecimentos políticos e econômicos do Território; é quando dá-se a formação das características processuais e da população para chegarmos às condições atuais.

            O aumento populacional foi um dos motivos da instalação do Judiciário no começo do século. A instalação do Poder Judiciária do Estado em 1982, também foi impulsionada pelas mesmas razões. Naquele momento, migravam para a região milhares de trabalhadores, por isso havia a necessidade de um atendimento maior por parte do Estado.

            Agora sim, podemos falar em modificações culturais. Pela documentação, (atas, sentenças, qualificações criminais, e até mesmo pela distribuição da justiça), podemos delimitar esse momento como um divisor de águas. As transformações políticas e econômicas causaram modificações sociais.

            Para cada momento existiram as necessidades, diferenciadas apenas em razão dos interesses políticos. Para cada época os crimes aconteceram, sendo dado a eles a importância de acordo com o seu tempo histórico.

            A década de 70, na esfera criminal, foi marcada por uma infinidade de processos de sedução. .A justificativa para esse crescimento dos processos de sedução está no afluxo desenfreado de homens que vinham para a região buscar novas oportunidades de trabalho. A instalação do 5º BEC, e o grande número de moças ribeirinhas deixadas na cidade para estudar e trabalhar em casas de famílias. Grande parte dos processos de sedução apresenta uma vítima que foi deixada na cidade, pelo próprio pai, para trabalhar em casa de família.

            Observando alguns dos processos, percebe-se que as moças oriundas dos seringais vinham para a cidade de Porto Velho trabalhar em casas de família. Aqui se envolviam em amizades com mulheres que viviam da prostituição aproveitando-se do período da exploração da cassiterita o que atraía e migração com grande afluência de homens para a região, e fazia dessa circunstância um meio de sobrevivência. As meninas, sem a presença da família, acabavam por se envolverem nessas amizades que as levavam para a cama de homens acostumados com disponibilidade de mulheres numa região de fronteira (D’Incao, 1995).

            Em um processo de sedução analisado, a moça era virgem, mas estava em companhia de uma moça tida como de “vida fácil”, por isso, o rapaz achou que a mesma não merecia o seu respeito. O fato de ser ela uma moça vinda das barrancas do rio, de ter o estado de virgem, considerado necessário para a configuração do crime foi ignorado por causa de a mesma andar em companhia de uma outra moça que já conhecia os prazeres da carne. Esse fato deu ao rapaz o direito de usá-la sem a menor consideração e não negar, mas justificar.

            Durante o período que antecedeu à criação do Estado na década de 70, conforme já afirmamos, houve um inchaço, um aumento tanto de ações cíveis como criminais. Isso, como também já afirmado, vai acelerar os acontecimentos, políticos, como a criação do Estado. Conforme observação do Desembargador Aldo Castanheira, Rondônia, apesar de ser uma região isolada e carente, tinha um processo de desenvolvimento avançado. Já estava ligada com outras regiões pela BR 364 (antiga 29); já existiam projetos de colonização implantados, como o de Ouro Preto, Ji-Paraná e Cacoal. Rondônia já passava por uma fase de progresso muito grande, em razão da migração do Centro-Sul e do desenvolvimento na área fundiária.

            O aumento da migração, a necessidade da Justiça pela população traz mais proximidade e maior esclarecimento.

            Os autos na década de 70 demonstram uma maior atuação da Justiça. A população estava mais perto do Judiciário, para isso sendo possível a observação de vários fatores mais amplos sobre a situação.

            A face que hoje a Justiça apresenta surgiu em 1982, com a transformação do Território em Estado durante o governo de Jorge Teixeira de Oliveira. Foram momentos de transformações radicais na história da região. No início da década de 80, dentro do processo político de “Abertura” do Presidente João Figueiredo, e, portanto, num momento de mudanças para o País e para Rondônia ocorreu a criação do Estado. Com isso foi também criado e organizado o Poder Judiciário. As mudanças foram evidentes e registradas por agentes desse processo:

       “Com a criação do Estado, imaginávamos que tudo, à partir daquele dia, fosse ficar muito bom. Éramos jovens, achávamos que as coisas tinham que acontecer imediatamente.

       Esclareça-se que dinheiro não faltou para a instalação do Poder Judiciário. O Dr. Fouad assumiu a Presidência do Tribunal de Justiça. Era um advogado militante, ex-procurador do Estado de quem o nomeou. Ele procurou ver o que se reclamava, na época, no País e construiu um Poder Judiciário na medida do possível, prevendo que se tirasse aquelas falhas todas”.(Pedro Origa)

            Como dito anteriormente, o atendimento Judiciário desde a sua instalação em 1914, apresentava uma visão de alcance, embora muitos relatos de viajantes dêem conta da condição de abandono da população. Mas a análise feita aqui tem como foco a disponibilidade de meios oferecidos pelo Estado e isso não pode ser olvidado.

            Em Porto Velho, o andamento dos processos era lento devido às dificuldades de comunicação com a Instância Superior-Manaus. Muitos processos foram paralisados de uma hora para outra, sem a conclusão dos procedimentos. Essas dificuldades foram comentadas por Advogados e Desembargadores entrevistados para este trabalho. Ao falar de épocas mais recentes, eles dão exemplos das dificuldades enfrentadas pelo Judiciário ao longo do seu desenvolvimento.

            A Comarca de Porto Velho deixou alguns vazios. Não foi possível relacionar todos os juízes das quatro primeiras décadas. Os despachos nos raros processos da época, os livros de sentenças e as atas de audiências que foram preservados deixam lacunas. Após a década de 40, quando o Fórum foi instalado em prédio próprio, o trabalho dos juízes que passaram pela Comarca de Porto Velho ficou registrado com maior regularidade. Deixamos de anotar os períodos sem face da impossibilidade, uma vez que até os anos 70 a documentação existente na Comarca é muito escassa. A relação foi organizada através dos poucos processos existentes entre os anos de 1914 até a década de 40. A partir de 1945 até os anos 60 a documentação se resume a três livros utilizados para sentenças. Somente após esse período é que passamos a ter uma documentação que permite uma maior observação e registros mais seguros.

Juízes de Porto Velho

1914 - Nathanael de Albuquerque - Juiz Municipal

1916 - Martinho Ribeiro Pinto - Juiz Municipal

1917 - Martinho Ribeiro Pinto - Juiz Municipal

1917 - Juventino Lins Themudo - Juiz de Direito

1918 - Martinho Ribeiro Pinto

1918 - Juventinho Lins Themuco

1919 - Joaquim Gomes de Oliveira e Silva - Juiz Interino

1919 - José Lima Thales

1919 - Juventinho Lins Themuco

1920 - João Moreira Lima e Marcos de Castro Menezes (suplentes)

1921 - Giovani Costa - Juiz Municipal - Manoel Bluhm (anexado a Humaitá)

1921 - José de Lima Thalés

1922 - Arthur Virgilio do Carmo Ribeiro

1922 - Manoel Bluhm - 3º suplente

1922 - Giovanni Costa - Suplente

1922 - Manoel Amaro Lopes - Suplente

1923 - Arthur Virgilio do Carmo Ribeiro

1925 - Arthur Virgilio do Carmo Ribeiro

1927 - Arthur Virgilio do Carmo Ribeiro

1928 - Arthur Virgilio do Carmo Ribeiro

1930 - João Pereira Moreira Lima

1931 - João Pereira Machado Junior

1934 - Elias Ribeiro de Lima - 2º suplente de Juiz Federal

1935 - Alencastro Ramos e Silva

1936 - Marcos de Castro Marques - 1º suplente

1939 - José da Silva Castanheiro

1940 - José da Silva Castanheiro

1944 - José da Silva Castanheiro

1945 - José da Silva Castanheiro

1947 - Theodoro Vaz e Abreu Assumpção

1948 - Theodoro Vaz e Abreu Assumpção

1949 - Melo e Silva - Substituto

1951 - Theodoro Vaz e Abreu Assumpção

1952 - Theodoro Vaz e Abreu Assumpção

1955 - Theodoro Vaz e Abreu Assumpção

1956 - Joel Quaresma de Moura

1961 - Joel Quaresma de Moura

1963 - Joel Quaresma de Moura

1964 - Joel Quaresma de Moura

1968 - Roberto Bomfim

1969 - Irany Felipe Navarro

1970 - Maria Elisa Muniz Chamberlain - Juíza Temporária. Primeira mulher, na função de Juíza a aparecer nos processos da comarca de Porto Velho.

1970 - Antônio Alberto Pacca

1971 - Antônio Alberto Pacca

1972 - Francisco Cesar Soares de Montenegro

1972- Mário de Almeida Costa - Juiz Temporário

1973 - Antônio Alberto Pacca

1973 - José Costa Filho

1973- Francisco Ferreira Cardoso - Juiz Temporário

1974 - Francisco César Soares de Montenegro

1975 - Dirceu de Faria

1975 - José Costa Filho - Juiz temporário

1975 - Francisco Ferreira Cardoso - Juiz Temporário

1975 - Simão Guimarães de Souza - Juiz Temporário

1975 - Hermenegildo Fernandes Gonçalves

1977 - Clemenceau Pedrosa Maia

1976 - Julio de Oliveira - Juiz temporário

1976 - Getúlio Vargas de Figueiredo - Juiz Temporário

1977 - Getúlio Vargas de Figueiredo - Juiz Temporário

1977 - Julio de Oliveira - Juiz Temporário

1978 - José Brito da Cunha - Juiz Temporário

1978 - Augusto José Alves

1978 - Bruno Ferreira Gomes

1978 - Benedito Geraldo Barbosa - Juiz Temporário

1978 - Paulo Carneiro

            A partir da criação do Poder Judiciário no Estado, sua estrutura passa a ter outras características. Diversas varas foram criadas e instaladas. Considerando os Juizados Especiais e Infância e Juventude, a Capital tem hoje um total de 25, entre varas especializadas e genéricas. Em todas elas existem Juízes Titulares mais o suporte dos juízes substitutos. Da mesma forma no interior, que hoje conta com 49 varas.

 

O LADO HUMANO DA JUSTIÇA

            A documentação jurídica pouco fala sobre as emoções dos juízes, por que os documentos apenas dão notícias dos atos processuais de maneira muito fria, apresentando nomes, datas e fatos já consumados. Por isso optamos por fazer uso de um pouco da História Oral para trabalhar esse lado da História do Judiciário.

            Consideramos os relatos importantes para apresentar o lado humano da Justiça que está mais próxima da comunidade. Eles se somam a documentação, realçando as afirmações já feitas. Por meio de entrevistas com pessoas ligadas ao cotidiano da justiça, fatos que incomodavam os juízes oferecem um novo olhar, uma nova forma de reflexão sobre a influência desses acontecimentos no comportamento deles, principalmente, na História do Judiciário.

            Os relatos demonstram que a Justiça nos Territórios, nas décadas que antecederam a emancipação, era tratada com pouca importância. Esse descaso ocorreu porque a Justiça esteve vinculada primeiro ao Rio de Janeiro e depois a Brasília. Não oferecia o Estado o aparato necessário para o seu funcionamento.

            Conforme se observa das falas já citadas, do Desembargador Hélio Fonseca e do advogado Pedro Origa, quando o juiz era mandado para trabalhar no Território era como se fosse uma punição, ou última opção.

            Os documentos de instalação e da atuação do Judiciário até o ano de 1930 deixam transparecer uma presença maior. No momento em que ocorreu a apatia econômica, o Judiciário se distanciou da população. Esse distanciamento pode ser observado na documentação preservada que se mostra escassa e lenta. Os livros cartoriais, antes utilizados em maior escala, desaparecem dos arquivos. O Governo Federal não tinha uma política de integração desta região com o resto do País, por isso oferecia um atendimento precário como forma de manter a posse do Território. Os longos períodos em que região fica desprovida do atendimento Judiciário revelam com nitidez esse descaso. Muitas vezes, a comunidade criava seu próprio mecanismo de organização. Em Guajará-Mirim, por exemplo, no final de década de 50, até meados da década de 60, existiu a figura controvertida do Capitão Alípio, que exercia todas as funções, desde Juiz de Paz, delegado, Promotor de Justiça, Juiz de Direito, conciliador e carrasco ao mesmo tempo.

“... naquele tempo a justiça da cidade ficava por conta do Capitão Alípio. Havia naquele momento um descuido total por parte do governo federal com relação a essa região. (Jacy Raumundo de Alencar Farias - advogado)”.

            O ressentimento dos juízes por causa do isolamento está refletido nas lembranças que guardaram daquele momento.

“Naquele tempo, a Justiça daqui era subordinada ao Rio de Janeiro. Em 1960, passou para Brasília, o Tribunal ficava muito distante e não dava a menor confiança para a Justiça local. Tinham a Justiça dos Territórios como de segunda classe. Isso desestimulava muito os Juízes e Promotores. Quem vinha para cá não tinha nem o direito de promoção, era nomeado Juiz e jamais chegaria a Desembargador do Tribunal de Justiça em Brasília. O Promotor daqui jamais seria promovido ao cargo de Procurador (...)” (Des. Hélio Fonseca)

“Minha vivência nos Territórios era difícil, porque eu era só, não tinha contatos com outros juízes. Meus diálogos eram feitos em Belém do Pará, com os Desembargadores do Tribunal de Justiça e alguns Juízes. Aquela época foi excepcional, pois estava em pleno desenvolvimento o Ato Institucional n.5. Todas as garantias constitucionais da Magistratura estavam suspensas. Qualquer Juiz podia ser cassado com base no AI-5. Garantias da Magistratura como vitaliciedade, inamovibilidade e retroatividade de vencimentos estavam suspensas, conseqüentemente, se contrariássemos os “poderosos” que eram os militares da época, estávamos sujeitos a sofrer uma degola. Pressões recebíamos a toda hora, mas graças a Deus nunca me submeti a essas pressões. No Amapá e em Roraima sempre decidi com independência, mesmo sofrendo pressões. Em Rondônia nenhuma, graças a clarividência e o espírito público do governador Jorge Teixeira de Oliveira”. (Des.Clemenceau Pedrosa Maia)

            Dando uma visão da imagem da Justiça nos anos setenta, quando entra em vigor o AI-5.

“Estou em Porto Velho desde primeiro de maio de 1971. Quando cheguei, o Juiz era o Dr. Antônio Pacca. A judicatura processava-se sob a égide do AI-5. A carreira dos magistrados nascia e morria nos territórios, vez que os mesmos não tinham acesso ao Tribunal, cuja sede era Brasília”. (Pedro Origa)

“Aquela época foi excepcional, estava em pleno desenvolvimento o Ato Institucional nº 5. Todas as garantias constitucionais da Magistratura estavam suspensas. Qualquer juiz podia ser cassado com base no AI-5. As garantias da Magistratura, ou seja: vitaliciedade, inamobilidade e retroatividade de vencimentos estavam suspensas, consequentemente se contrariássemos os poderosos da época, que eram os militares, estávamos sujeitos a sofrer uma degola”. (Des.Clemenceau Pedrosa Maia)

            É a partir desse panorama que o Território Federal de Rondônia é transformado em Estado, em 1982. O projeto fazia parte da política implantada pelo Governador Jorge Teixeira de Oliveira, homem de confiança do Presidente João Baptista Figueiredo, que veio para a região com a missão de organizar e criar o Estado.

            Dessa forma, o crescimento do Judiciário passa a ser gradual de acordo com o crescimento do Estado. As necessidades do Judiciário têm sido atendidas e modernizadas de acordo com o processo evolutivo.

            Em Rondônia, a situação do judiciário era difícil, pelo que pode ser observado nos depoimentos que fazem uma explanação sobre o cotidiano da justiça. O Desembargador Aldo Castanheira, na época Promotor de Justiça, assim fala daquele momento:

       “O Judiciário já existia no Território, os juízes eram vinculados ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal. O Ministério Público também, era subordinado a Procuradoria Geral do Distrito Federal e Territórios. Antes da criação do Estado, ainda na época do território, foram criados cinco comarcas em Rondônia; Ji-Paraná, Pimenta Bueno, Cacoal, Vilhena e Ariquemes. Dessas cinco, foram instaladas duas de imediato, que foram as de Ji-Paraná e Vilhena. Foram instaladas e supridas com Juízes Temporários, porque não tinha Juiz de Direito.

       Em Ji-Paraná era o Dr. Benedito Geraldo Barbosa com jurisdição plena. Os Juízes Temporários eram bacharéis em direito que faziam concurso apenas de prova. Isso foi muito criticado na época. Acho que foi comodismo do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, para não abrir concursos para os Territórios. Eles não davam muita conversa para os Territórios, não queriam saber muito disso aqui. Então, foi muito cômodo para eles, era fácil porque fazia por Decreto Lei.

       Criou-se, então, a figura do Juiz Temporário para os Territórios, eram juízes com competência limitada. Esses juízes não podiam decidir em ações que diziam respeito ao estado de capacidade das pessoas, como divórcio e desquite. Quando atuavam ao lado do Juiz de Direito, era como Juiz Substituto ou Juiz Preparador etc. Mas como então não tinha juiz, instaladas as duas comarcas, colocou-se esses juízes temporários com jurisdição plena. Na época, era o Dr. Paulo Carneiro em Vilhena e o Dr. Benedito Geraldo Barbosa em Ji-Paraná. As outras três comarcas foram instaladas depois da criação do Estado”.

            Até onde o olhar da memória alcança, registra-se, antes da criação do atual Tribunal de Justiça, um Judiciário distante, marcado pelo momento político. De acordo com o advogado que participa e observa o Poder Judiciário, a justiça tinha uma figura decorativa no Território, e o atendimento superficial.

       “A estrutura funcional oferecida era de apenas um cartório não oficializado. Mesmo assim ele valia-se da obra existente e de uma profunda boa vontade do titular do cartório e funcionários. As instalações eram modestas. Havia problemas de atrasos nos pagamentos, pois as comunicações eram difíceis, os contatos e envio de numerário eram feitos através do Banco do Brasil. A remuneração era razoável, mas não o que merecia ganhar um magistrado. Não me lembro de ter havido, mesmo com salário em atraso, qualquer greve”. (Pedro Origa - Advogado).

            Essa observação também é feita por parte de magistrados.

       “A vida do Juiz era dificílima. Praticamente, a justiça era feita no núcleo dos municípios, porque não tinha condição do juiz judicar em Vilhena, porque ficava a mais de 700 quilômetros de distância. Os Juízes não iam para estas localidades, mas os processos vinham”. ( Des. Francisco César Soares de Montenegro)

       “Naquela época eu era, portanto, Juiz de Direito de Porto Velho, Ariquemes, Ji-Paraná, Pimenta Bueno, Cacoal. Para todas essas cidades tinha um único juiz, que também acumulava as funções de Juiz Federal e Juiz Eleitoral..” (Des. Clemenceau Pedrosa Maia).

       “ Não se pode dizer que era uma justiça ágil, porque Porto Velho ia de Abunã a Vilhena. Podia não ter grande população, mas as demandas existiam. Só um cartório, poucos funcionários, um Juiz de Direito, dois representantes do Ministério Público e a justiça dos territórios dependendo de Brasília...” Miguel Roumiê - advogado)

            Essas condições foram modificadas com a criação do poder Judiciário do Estado. A partir daí passa-se a oferecer um atendimento mais eficaz à população. O Desembargador Aldo Castanheira e o advogado Miguel Roumiê falam do alcance e importância dessas mudanças.

       “Com a criação e instalação das várias comarcas, os Juízes e promotores, passaram a ter contato direto com as populações da rodovia. Daqui não tinha como fazer isso. Era uma população carente e desinformada, mas a aceitação dessa justiça foi rápida” (Des. Aldo Castanheira).

       “Com a transformação do Território em Estado e com o apoio do governo federal e estadual na pessoa do Coronel Jorge Teixeira de Oliveira, foi implantada então a judicatura. É lógico que nos primeiros momentos, houve um certo trauma, foi um corte cirúrgico, rompeu-se o cordão umbilical. Esse momento foi a criação de va Justiça...” Miguel Roumiê - advogado’

            A Justiça, instalada em 1912, atravessou as décadas acompanhando a evolução histórica da região e submergiu no período turbulento, conhecido como o período da ditadura militar, para integrar-se com a justiça do país. A criação e reestruturação, em 1982, foi marcada por um fato político que é um divisor de águas, a criação do Estado de Rondônia.

 

CONSIDERAÇÕES

            Para chegarmos ao Judiciário dos dias atuais, foi necessário fazer uma viagem através da história da região. Através dos feitos da justiça e da fala dos seus participantes, traçamos a trajetória do fazer jurídico, da população e das cidades de Porto Velho, Guajará-Mirim e Santo Antonio desde o começo do século. O andamento dos processos, suas mudanças de localidade e seus silêncios refletem as transformações históricas regionais ocorridas em Rondônia        Embora se adequando aos interesses dos momentos políticos e econômico, o Judiciário esteve presente. Quando os cartorários colocavam os livros em barcos e saíam fazendo registros pelas localidades em troca de porco, galinha ou “pelas” de borracha, pode-se lançar sobre esse ato dois olhares. O da exploração e o da competição. Embora um adentrasse a jurisdição do outro, como foi observado, a população, mesmo de forma precária, contou com o atendimento da justiça. Esses acontecimentos são reflexos de toda a estrutura do Estado que funciona como uma engrenagem.

            Atentos a questão procuramos, neste trabalho, deixar opções para novas pesquisas, abrindo perspectivas de se questionar os acontecimentos como um todo e não apenas o papel do Judiciário. As falhas nas documentações provocaram lacunas que podem ser sanadas com pesquisas mais aprofundadas. No momento, essas lacunas são enxergadas não como falhas do Judiciário, mas como conseqüência de momentos econômicos e estratégias políticas.

            No caso da Comarca de Porto Velho, quando falamos da ausência de documentação para completar a pesquisa, não podemos deixar de considerar os momentos políticos da cidade e da Comarca. A instabilidade gerada pelo fato de num momento ser Comarca em outro apenas Termo Judiciário da Comarca de Humaitá, o funcionamento em prédios de outros órgãos, com constantes mudanças e a acomodação insuficiente, são fatores que geraram esse silêncio de documentação.

            Segundo Antonio Cantanhede, o prédio onde funcionava o Fórum até o final da década de 40, era adornado por uma placa tosca e mal pintada, que um juiz mandou colocar apenas para agradecer ao governador pela casa para funcionamento do Judiciário. Dessa observação podemos concluir que talvez fosse essa a primeira casa onde o Judiciário pode funcionar independentemente, já que anteriormente funcionava em prédios da Intendência ou da Prefeitura.

            Essa placa expressa a alegria, ou talvez tristeza, de um juiz, que deixado no Território não exercia apenas o papel de juiz, mas também de administrador. Desse período, a partir de 1948, é que temos uma documentação mais consistente, que dá uma melhor mostra do fazer Judiciário na Comarca de Porto Velho. Embora ainda vá caminhar de forma frágil até a década de 60, enfrentando as crises e as mudanças da década de 70, a Justiça chega aos anos 80, renascida e reconstruída, aproveitando-se de um momento econômico e, principalmente, político, de muita importância para a estrutura que hoje possui.

 

O PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE RONDÔNIA

            No início deste trabalho, dissemos que a análise do Judiciário seria feita com base nos acontecimentos políticos e econômicos refletidos nos processos de cada época. O motivo da instalação do Judiciário na região, em 1912, foi o auge do ciclo econômico da borracha, cujo declínio diminuiu o interesse do Governo que deixou a região em estado de abandono. A transformação em território foi a forma que a União encontrou para manter a posse sobre o Território. O desinteresse do Governo do Mato Grosso foi anotado e criticado, pelo juiz da época, Dr. Pedro Alcantara, registrando a situação em ata de audiência. (Caderno Catalográfico - anexo)

            O judiciário foi instalado em 1912, ano considerado como o pico da produção de borracha, sendo considerados os anos seguintes como de declínio. Embora pareça que a Justiça estreou na contramão da história, pois, no momento de sua instalação, 1912, iniciou-se o declínio no ciclo borracha, as atividades judiciárias alcançaram considerável crescimento até o ano de 1918. Esse crescimento pode ser observado até meados da década de 20, devido a existência de um número elevado de ações autuadas em 1926.

            No final desta década com a criação da Comarca de Guajará-Mirim, aos poucos foi desaparecendo a Comarca de Santo Antonio. As atividades mais importantes, como o juiz e o promotor, foram assim transferidas para Guajará-Mirim, sendo que em Santo Antonio, por algum tempo foram mantidas as atividades judiciais com juiz suplente. Mas aos poucos foram desaparecendo, caindo no esquecimento.

            Quanto à periodização desse momento, realçamos que, aos olhos de hoje, o ano de 1912 registrou o pico econômico, por isso foi o ano da instalação da justiça, ano em que se deu também a inauguração da estação telegráfica no povoado de Santo Antonio. Nesse período, ainda, foram criados os municípios à margem da ferrovia. Todas as forças eram concentradas na região e na exploração do látex. Historiadores afirmam que algumas tentativas ainda foram feitas com o intuito de manter essa atividade econômica (Dean, 1989), e nos anos seguintes, em números menores, ainda chegavam trabalhadores na região. Esses esforços fizeram com que o Judiciário mantivesse um crescimento notável até a década de 20. Até o final dos anos 20 ocorre um crescimento acentuado no número de processos autuados com um número bastante elevado em relação aos anos anteriores no ano de 1926, sempre lembrando que as observações feitas, neste momento, sobre as questões quantitativas, referem-se à Vila de Santo Antonio do Rio Madeira.

            Entre os anos 40 e 50, período marcado pela criação do Território Federal do Guaporé, em 13 de setembro de 1943 (Matias, 1998) e pela Segunda Guerra Mundial, com a invasão japonesa, nas regiões produtoras da Ásia, novos investimentos foram feitos na produção de borracha na Amazônia. Nesse momento vislumbrou-se uma retomada do crescimento econômico da região, porém, diante da continuidade do declínio econômico aos poucos as atividades da justiça foram desaparecendo.

            Embora a Comarca de Porto Velho, onde a presença judiciária apresentava-se tímida, não tenha ficado por muito tempo sem a presença de juiz e promotor de justiça, a Comarca de Guajará-Mirim chegou aos anos 60 completamente abandonada. Como afirmado diversas vezes, somente na década de 60 é observada a retomada das atividades da justiça.

            A partir daí começaram a ser delineadas as características do novo momento econômico da região, que culminaram na criação do Estado de Rondônia e do Poder Judiciário.

            O Poder Judiciário atual foi instalado no ano de 1982. Alguns historiadores afirmam que esse foi um momento de mudanças políticas e sociais em Rondônia. A Justiça mais uma vez foi marcada por esses acontecimentos, assim, como o momento da instalação em 1912, e a transformação em Território Federal.

            A região que ficou abandonada desde a década de 30, por não ser mais interessante economicamente, foi delimitada como Território e passou a ser um problema do Governo Federal. A situação apática em que ficaram as terras de Rondônia, entre o final da década de 30 até o começo dos anos 60, contribuiu para o afastamento do atendimento jurisdicional.

            Alguns autores afirmam que a década de 60 foi um momento de grandes mudanças para a região amazônica. Porém, pelo olhar do Judiciário, somente na década de 70 é que realmente essas mudanças irão ocorrer. Isso está refletido na grande quantidade de processos existentes no Arquivo Geral. Na década que antecedeu a criação do Estado e do Poder Judiciário ocorreram mudanças nos tipos de ações ajuizadas, assim como nos usuários. Estas afirmações são feitas com base nos processos da época.

            Até a década de 60, a maior parte dos processos ajuizados, na esfera cível, era ações executórias e pedidos de pensão alimentícia e alvarás. Na década de 70, foram adicionadas as possessórias e as separações judiciais. Na esfera criminal, o aumento populacional, ocasionado pela migração e mudanças regionais, deu origem a muitas ações por estupros, homicídios e lesões corporais. A vinda da população ribeirinha para a cidade e a chegada de grande contingente de migrantes e aventureiros contribuem para o aumento das ações de furtos e seduções.

            Em Porto Velho, na década de 60, houve um grande número de ações executórias e pensão alimentícia. Um fato curioso, os funcionários da ferrovia, até então ausentes, começam a fazer parte no pólo passivo em grande número de ações executivas e alimentícias.

            Nas primeiras décadas os funcionários da ferrovia ou a própria empresa apareciam, raramente, no pólo ativo, ou como testemunhas nos processos. Essa presença discreta era conseqüência da existência das cidades gêmeas dentro de Porto Velho. A presença da ferrovia ou empresas ligadas a ela era registrada de maneira mais presente, somente em livros dos cartórios extrajudiciais ou na condição de proprietários de bens imóveis.

            A existência das cidades gêmeas, Porto Velho e o pátio da ferrovia, ocasionou particularidades no desenvolvimento da justiça, diferentemente do que acontecia em Santo Antonio, onde o fazer Judiciário aparentava maior liberdade e maior alcance.

            A história registra um grande número de trabalhadores caribenhos e de outras nacionalidades na região. Porém, são poucos os registros desses nacionais em processos. Com exceção da presença dos portugueses, sírios, raros espanhóis, peruanos e bolivianos o que contou como população jurídica são os nordestinos, que apareciam constantemente como partes ou testemunhas nos procedimentos criminais.

            Deve-se aqui frisar a presença marcante dos sírios como comerciantes. Os documentos que registram as transações comerciais criam a imagem de serem eles na maioria dos casos, bem sucedidos profissionalmente. Os portugueses também exerciam atividades comerciais, porém, com aparência mais modesta.

            Em vários momentos deste trabalho, foram feitas observações sobre a característica empobrecida da região até a década de 60. O Judiciário prestou maior atendimento à classe excluída, por ser quantitativamente maioria nos processos criminais ou em registros de nascimentos ou casamentos. Na área cível, a grande maioria dos processos são ações de execução, pedidos de alimentos e alvarás. A maior parte das ações envolveu pequenos valores e apresentam construções frágeis e humildes. Os processos de arrolamento, que aparecem em grande número na época, demonstram que as pessoas, na região, possuíam pertences de pouca valia, apesar do relógio de ouro e do revólver, que eram como um enxoval do homem da região no começo do século XX. Ao morrer, deixavam como bens, os objetos pessoais de higiene, roupas de uso diário, as malas e nenhum móvel de valor.

            Não estamos defendendo que o atendimento do Judiciário tenha sido direcionado para os menos favorecidos, pois, como um braço do Estado, a justiça era usada para atendimento, na resolução das lides, mas também tinha a função de controlar. O controle vem em forma de atendimento, segurança e proteção do Estado (Foucault, 1996).

            Somente na década de 60, os descendentes de caribenhos apareceram em procedimentos da esfera cível, mas de maneira muito tímida. Essa comunidade vivia em total isolamento. As cidades gêmeas que conviviam em Porto Velho tinham administrações diferenciadas. Com exemplo dessa duplicidade, pode-se citar o documento administrativo da ferrovia, datado de 1915, quando um segurança ou policial foi contratado, de maneira informal, para fazer a segurança da “cidade barbadeana”. Existia, por parte da ferrovia, um controle que extrapolava os seus pátios, pois os problemas dos funcionários eram resolvidos pela própria empresa. (Caderno catalográfico- anexo).

            A desativação da casa de prisão existente dentro do pátio da ferrovia em 1915, que passou a ser utilizada para moradia, não contribuiu para que Porto Velho passasse a viver de forma independente. Encontramos nos processos criminais da década de 20, arquivados no Centro de Documentação deste Poder, documentos do gerente da ferrovia, comunicando-se com o delegado e solicitando a prisão de infratores.

            Os poucos processos autuados pela justiça, referentes a crimes cometidos por barbadianos (caribenhos) ou outros estrangeiros, são ínfimos com relação à presença deles na região. Ao longo de quase 30 anos não ultrapassam dez processos na área criminal, apesar de sabermos que pouco foi preservado. Quanto aos processos cíveis, a empresa aparece enquanto autora para reclamar direitos.

            O Estado de Rondônia foi criado pela lei nº 41, de 22 de dezembro de 1981, quando era governador, nomeado pelo Governo Federal, o Coronel Jorge Teixeira de Oliveira. Essa mesma lei, também, criou o Poder Judiciário, instalado no dia 04 de janeiro de 1982. Os decretos de nomeações dos quatro primeiros Desembargadores foram publicados no dia 25 de janeiro e, imediatamente, dia 26, foram empossados. Nesse dia, foram nomeados os Desembargadores Fouad Darwich Zacarias, Darci Ferreira, José Clemenceau Pedrosa Maria e Francisco César Soares de Montenegro.

            A primeira composição do Tribunal de Justiça contava com sete Desembargadores que foram escolhidos entre os que exerceram a Magistratura e o Ministério Público do ex-Território Federal e do Distrito Federal, conforme permissão da lei. Tomaram posse os primeiros quatro membros, sendo que o mais velho, Desembargador Fouad Darwich Zacarias, após tomar posse do cargo, deu posse aos demais e imediatamente, deu início ao funcionamento da justiça numa sala do antigo Fórum Rui Barbosa.

            Havia pressa para que se fizesse a nomeação dos desembargadores, porque logo após seria constituído o Tribunal Eleitoral uma vez que logo haveria eleições com vistas a constituição do TRE. Depois, em março de 1982,  foram nomeados os outros três integrantes da corte. Os Desembargadores Aldo Alberto Castanheira, Hélio Fonseca, tomaram posse no dia 11 de março. O Desembargador Dimas Ribeiro da Fonseca, hoje decano do quadro do Judiciário de Rondônia, tomou posse no dia 19 de março do mesmo ano. No dia 11 de março, também tomou posse como Desembargador o Dr. Ludmilson Figueiredo de Sá Nogueira, mas, por ser aposentado pelo Estado do Amazonas, imediatamente, pediu demissão, não chegando nem mesmo a exercer o cargo. À época, a lei proibia o acúmulo de cargos.

            O primeiro Presidente do Tribunal de Justiça foi o Desembargador Fouad Darwich Zacarias, advogado militante e antigo na região. Ele foi convidado pelo governador Jorge Teixeira de Oliveira, para organizar o Poder Judiciário, sendo ele o criador do Código de Organização Judiciária do Estado.

            O Desembargador Hélio Fonseca afirma que a escolha do Dr. Fouad Darwich Zacarias, advogado atuante e com raízes em Porto Velho, foi um momento feliz da administração do Governador Jorge Teixeira. Para o Desembargador , o Governador Jorge Teixeira não quis trazer uma pessoa de fora, confiou ao seu consultor jurídico, Dr. Fouad, a organização do Tribunal de Justiça.

            O Dr. Fouad tratou da obtenção de verbas para o Tribunal com muita eficiência, pois era um homem ambicioso e atuante e, como o Governador Teixeira, tinha o trabalho como missão. Trabalhava com a sofreguidão de fazer tudo e obter o máximo possível de vantagens, por isso conseguiu muitas verbas. A Justiça de Rondônia, ainda segundo o Desembargador Hélio Fonseca, nasceu em berço de ouro, porque tinha recursos abundantes que foram bem utilizados.

            Todos os entrevistados são unânimes em afirmar a importância do trabalho do Desembargador Fouad.

            Para o Desembargador Clemenceau Pedrosa Maia é importante ressaltar o trabalho dinâmico do Desembargador Fouad, uma vez que o primeiro presidente realizou excelente administração, organizando inicialmente a Justiça. Jornais da época da criação da justiça em manchetes o classificavam como responsável pela independência da Justiça de Rondônia.

            Com a criação do Poder Judiciário e a nomeação dos Desembargadores para a primeira composição do Tribunal de Justiça, as primeiras reuniões foram realizadas no prédio do Fórum, porque o Tribunal ainda não tinha prédio próprio. Mais tarde foi doado o prédio da antiga Companhia de Água, onde se encontra até a presente data.

            O momento de transição foi rápido. Ao serem nomeados os primeiros Desembargadores, entre eles o Dr. Clemenceau Pedrosa Maia, à época Juiz da Comarca de Porto Velho, e frente ao impasse causado pela saída dos juízes dos territórios, uma vez que, criado o Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia, cessava a jurisdição federal, o Desembargador Fouad no seu Ato nº 01, de 27 de janeiro de 1982, indica ao governador o bacharel Paulo Carneiro para exercer as funções de juiz temporário para evitar que se ficasse sem juiz no Estado, o que vinha causando algumas polêmicas no meio jurídico naquele momento. Pelo Ato nº 02, de 29 de Janeiro de 1982, fixaram-se as competências do Juiz de Plantão na Capital e suspenderam-se por 15 dias as atividades da justiça no estado para que se pudessem tomar as medidas para a instalação da justiça de 1º grau.

            No dia 26 de Janeiro, na primeira seção realizada, o regulamento para o primeiro concurso foi aprovado e no dia 22 de julho, tomavam posse os primeiros juízes concursados no estado.

            A primeira composição administrativa do Tribunal de Justiça, biênio 82/84, foi formada pelo Desembargador Fouad Darwich Zacarias como Presidente, Desembargador Francisco César Soares de Montenegro como vice-presidente e Desembargador Clemenceau Pedrosa Maia como Corregedor Geral da Justiça. Essa administração tomou posse no dia 15 de março do ano de 1982, e, a ele coube a tarefa de criar e instalar as comarcas, e organizar o concurso para juízes e além da instalação do Tribunal Regional Eleitoral.

            Na segunda administração, biênio 84/86, o Desembargador Francisco César Soares de Montenegro assumiu a Presidência do Tribunal, o Desembargador Dimas Ribeiro da Fonseca foi o Vice-Presidente e o Desembargador Aldo Alberto Castanheira da Silva assumiu o cargo de Corregedor Geral. Essa administração foi empossada no dia 15 de março de 1984. A ela coube a tarefa de ampliar e fortalecer o atendimento judiciário, e, também, criar os cartórios Itinerantes, cujo objetivo era atender às populações das localidades periféricas.

            No dia 15 de março de 1986, com vistas à administração do biênio 86/88, foram empossados os Desembargadores José Clemenceau Pedrosa Maia como Presidente, Darci Ferreira como Vice-presidente e Eurico Montenegro Júnior como Corregedor-Geral de Justiça. Nessa administração, devido à aposentadoria do Vice-Presidente, Darci Ferreira, tomou posse em seu lugar Adilson Florêncio de Alencar, completando o período da terceira administração. Uma das marcas dessa administração foi a criação dos Juizados Especiais.

            Os membros que compuseram a quarta administração, biênio 88/90, foram empossados no dia 15 de março de 1988, com a seguinte composição: Desembargador Aldo Alberto Castanheira Silva, Presidente. Desembargador Adilson Florêncio de Alencar, Vice-Presidente e Lourival Mendes de Souza, Corregedor Geral de Justiça. Nessa administração, foram instaladas em prédios próprios a Justiça de Guajará-Mirim, Santa Luzia, Vilhena, Ji-Paraná e Ariquemes.

            A quinta administração, biênio 90/92, empossada no dia 13 de março de 1990, ficou assim composta: Presidente Desembargador Dimas Ribeiro da Fonseca, Vice-Presidente- Desembargador Francisco César Soares de Montenegro e Corregedor Geral Desembargador Hércules José do Vale. O Desembargador Eurico Montenegro Junior assumiu o cargo de vice-presidente no dia 16 de outubro de 1991, em razão da aposentadoria do Desembargador César Montenegro. Essa administração cuidou da extensão do atendimento do Juizado Especial aos bairros da cidade de Porto Velho, às regiões ribeirinhas assim como da instalação em Comarcas do interior do Estado.

            Para a administração do biênio 92/94, tomaram posse os Desembargadores Eurico Montenegro Junior como presidente, Eliseu Fernandes de Souza ,como Vice-Presidente e Antônio Cândido de Oliveira como Corregedor Geral de Justiça. Essa administração deu início ao projeto de informatização do Tribunal de Justiça, buscando assim um melhor funcionamento das estruturas administrativas.

            Quando tomaram posse os membros da sétima administração, em 15 de março de 1994, biênio 94/96, assumiu o cargo de Presidente o Desembargador Adilson Florêncio Alencar, Vice-Presidente o Desembargador Renato Martins Mimessi e Corregedor Geral, o Desembargador Gabriel Marques de Carvalho. Nessa administração, foi dado início ao projeto de reformas das instalações do Tribunal de Justiça e das Comarcas. Nesse momento, houve investimento na melhor formação dos servidores por meio do oferecimento de cursos, realizando-se, também concurso para magistrados.

            Foi empossada no dia 15 de março de 1996, a composição administrativa do biênio 96/98, sendo que assumiu o cargo de Presidente o Desembargador Antônio Cândido de Oliveira, tendo como Vice-Presidente o Desembargador Valter de Oliveira e Corregedor Geral o Desembargador Eurico Montenegro Junior. Essa administração instalou os Juizados Especiais e promoveu a aquisição de prédios próprios para os mesmos e para o almoxarifado. Deu continuidade a projetos das administrações anteriores e completou a informatização da Capital. Aprovou o projeto que visava o aumento do número de desembargadores e realizou concursos para magistrados e funcionários.

            No dia 13 de março de 1998, tomou posse a atual administração do Tribunal de Justiça, biênio 98/2000. Nesse dia, assumiu a Presidência do Tribunal de Justiça, o Desembargador Eliseu Fernandes de Souza, na vice-presidência, o Desembargador Sebastião Teixeira Chaves e como Corregedor, o Desembargador Sérgio Alberto Nogueira de Lima.

            Com a criação dos Tribunais de Justiça e Eleitoral e a nomeação dos desembargadores, tornou-se necessário realizar concurso para juiz, assim como, a criar comarcas do interior do Estado, que, até então, era atendido por juízes temporários e por dois juízes territoriais, um em Porto Velho, outro em Guajará-Mirim.

            Por força do Decreto-Lei n. 8 de 25 de janeiro de 1982, foram criadas as Comarcas de Porto Velho, de terceira entrância; em Ariquemes, Ji-Paraná, Vilhena, Guajará-Mirim, Cacoal e Pimenta Bueno, as Comarcas de segunda entrância; em Jaru, Ouro Preto do Oeste, Presidente Médici, Espigão do Oeste e Costa Marques, as Comarcas de entrância inicial.

            Logo após a criação do Poder Judiciário, com a nomeação dos sete desembargadores, e três juízes, concursados pelo Distrito Federal, tomaram posse na magistratura do novo Estado. Foram eles: Eurico Montenegro Junior, hoje Desembargador, que assumiu a Primeira Vara Cível da Capital, Dôglas Evangelista , na Vara Criminal e Eulélio Muniz, na 2ª Vara Cível.

            A primeira resolução assinada pelo Desembargador Fouad, na primeira seção realizada em 26 de janeiro de 1982, logo após a posse dos primeiros nomeados, foi a que abriu inscrições para preenchimento das 25 vagas existentes para o cargo de Juiz de Direito, do primeiro concurso para magistrados no Estado. Nesse primeiro concurso, realizado em 1982, foram aprovados 35 juízes. Alguns desistiram em razão de problemas particulares. Os demais assumiram em datas posteriores conforme as promoções dos primeiros nomeados. No dia 26 de julho de 1982, vinte e dois juízes tomaram posse, sendo preenchidas as varas de Porto Velho e as comarcas do interior do Estado.

            Foi realizado um novo concurso em 1983. A partir daí os concursos foram sendo realizados e a cada dois anos e novas turmas assumiram. Hoje o TJ conta com 70 juízes e 11 desembargadores em atividade.

Relação dos Juízes de Direito, conforme livro de posse até o IV Concurso.

1º concurso - posse aos 26.07.1982

 Adilson Florêncio de Alencar - 3ª Vara Cível da Capital

 Antonio Cândido de Oliveira - Vara do Júri de Porto Velho

 Hércules José do Valle - Auditoria Militar Estadual

 João Baptista Vendramini Fleury - Vara da Fazenda Pública

 João Batista dos Santos 2ª Vara Criminal de Porto Velho

 Lourival Mendes de Souza - Vara de Família de Porto Velho

 Romeu Gonzaga Neiva - Vara Cível da Comarca de Ariquemes

 Renato Martins Mimessi - Vara Criminal de Cacoal

 Fernando Lopes Soares - Vara Cível da Comarca de Vilhena

 Edmundo Santiago Chagas - Vara Criminal de Ji-Paraná

 Suleiman Miguel Neto - 1ª Vara Cível da Comarca de Ji-Paraná

 Anísio Garcia Martins - Vara Criminal da Comarca de Pimenta Bueno

 Gabriel Marques de Carvalho - 2ª Vara Cível da Comarca de Ji-Paraná

 Walter de Oliveira - Vara Criminal de Vilhena

 Cássio Rodolfo Sbarzi Guedes - Vara Cível da Comarca de Guajará-Mirim

 Sebastião Teixeira Chaves - Vara Criminal de Guajará-Mirim

 Paulo Carneiro - Comarca de Ariquemes

 Salatiel Soares de Souza - Vara Cível da Comarca de Cacoal

 Jorge Gurgel do Amaral Neto - Vara Cível de Pimenta Bueno

 José Pedro do Couto Comarca de Espigão do Oeste

 Roosevelt Queiroz Costa - Comarca de Jaru

 Marco Antonio de Faria - Comarca de Ouro Preto do Oeste

 Paulo Roberto Pereira - Comarca de Costa Marques

 José Marcelino de Paula - Comarca de Colorado do Oeste

João Carlos de Castilho - Comarca de Presidente Médici

            No ano de 1983, foram empossados alguns juízes de acordo com a vacância por promoções em razão da criação de novas Comarcas e novas Varas, e em face do crescimento e necessidades da justiça. A cada dois anos, vêm sendo realizados concursos para preencher as necessidades.

(posse em 06.06.1983)

 Roberto Braz Iannini - Comarca de Costa Marques

(posse em 10.11.1983)

 José Antonio Scarpati - Comarca de Ouro Preto do Oeste

(posse em 02.01.1984)

Ivanira Feitosa Borges - Comarca de Espigão do Oeste. ( primeira mulher a ocupar o cargo na Magistratura do Estado).

(posse em 12.01.1984)

 Carlos Roberto da Silva - Comarca de Rolim de Moura

(posse em 20.01.1984)

 Gilberto Pereira de Oliveira - Comarca de Cerejeiras

2º Concurso - posse em 25.01.1985

 João Luiz de Souza - Comarca de Ouro do Oeste

Sérgio Alberto Nogueira de Lima - Comarca de Rolim de Moura

 Sansão Batista Saldanha - Comarca de Presidente Médici

 Antonio Júlio Ribeiro -- Comarca de Costa Marques

(posse em 07.06.1985)

 Irineu de Oliveira Filho - Comarca de Costa Marques

(posse em 13.09.1985

Nair Minhone - Comarca de Espigão do Oeste

(posse em 10.10.1985)

Walter Waltemberg Silva Junior - Comarca de Rolim de Moura

(posse em 17.01.1986)

 Sebastião de Souza Moura - Comarca de Jaru

3º Concurso - posse em 23.06.1986

 Walderley de Andrade Monteiro - Comarca de Espigão do Oeste

 José Morello Scariott - Comarca de Costa Marques

 João Batista Teixeira - Comarca de Cerejeiras

 Élio Figueiredo - Comarca de Presidente Médici

 Omar Simão Chueire - Comarca de Espigão do Oeste

 Ariel Ortiz Osltan - Comarca de Costa Marques

 José Carlos dos Santos - Comarca de Presidente Médici

 Péricles Moreira Chagas - Comarca de Cerejeiras

 José Anastácio Ferreira - Comarca de Presidente Médice

 José Odemar de Andrade Góis - Comarca de Espigão do Oeste

 Edelçon Inocêncio - Comarca de Costa Marques

 Paulo Kiyochi Mori - Comarca de Costa Marques

 Rita Paulo Barini - Comarca de Cerejeiras

4º concurso posse em 07.12.1987

 Walter Muniz de Souza - Comarca de Cacoal

 Francisco Prestello de Vasconcellos - Comarca de Jaru

 César Rubens de Souza Lima - Comarca de Ji-Paraná

 Raduan Miguel Filho - Comarca de Ji-Paraná

 Antônio Feliciano Poli - Comarca de Guajará-Mirim

 Marialva Daldegan Bueno - Comarca de Ouro Preto do Oeste

 João de Albuquerque Nunes Neto - Comarca de Colorado do Oeste

 Mozart Hamilton Bueno - Comarca de Presidente Médici

 Oudivanil de Vasconcelos Martins - Comarca de Alvorada do Oeste

 Rubens de Vasconcelos Martins - Comarca de Alvorada do Oeste

 Virginia Maria de Abreu e Lima Guimarães - Comarca de Espigão do Oeste

 Nelson Henri da Silva - Comarca de Alta Floresta do Oeste

 Roberto Jorge Aur - Comarca de Santa Luzia do Oeste

 Daniel Ribeiro Lagos - Comarca de Costa Marques

            A partir do V Concurso para ingresso na Magistratura, realizado em 1988, o disposto no art. 1º da Resolução nº 007/88 criou a figura de Juiz Substituto. Essa mudança, exigida por lei Federal, para o Poder Judiciário de Rondônia, foi muito importante, foi um divisor de águas, porque também proporcionou mudanças em outros critérios do concurso. Antes dessa lei, os juízes eram selecionados por meio de critérios que consideravam importante a capacidade e conhecimento, a idade, a estabilidade familiar e o Estado de origem, ou seja, que fossem casados e não muito jovens . Era dada preferência a candidatos de outros Estados. Acreditava-se que esses profissionais traziam uma maior bagagem de conhecimento jurídico.

            Com a abolição desses critérios anteriores, mudou também o perfil dos juízes do Estado. A partir dai passou -se buscar um magistrado jovem e fixado no Estado de Rondônia, evitando assim, os problemas de adaptação do magistrado e da família, além de possibilitar ao juiz , no estado, desenvolver uma carreira funcional longa. Essas medidas corrigiram dificuldades como a de magistrados que judicaram em um tempo mínimo de cinco anos ou próximo dele, e depois se aposentava onerando o Estado com crescimento preocupante da folha de pagamento de inativos em desproporção com a condição da Justiça e do estado jovem.

5º concurso posse em 07 de março 1990

 Marcos Alaor Diniz Grangeia - Comarca de Porto Velho

 Wilson Zaury Filho - Comarca de Ji–Paraná

 Ricardo Turesso - Comarca de Porto Velho

José Jorge Ribeiro da Luz - Comarca de Porto Velho

Josimar de Miranda Andrade - Comarca de Ji-Paraná

Alexandre Miguel - Comarca de Cacoal

João Tadeu Severo de Almeida - Comarca de Ariquemes

Sandra Maria Nascimento de Souza - Comarca de Guajará-Mirim

José Torres Ferreira - Comarca de Vilhena

Osny Claro de Oliveira Junior - Comarca de Rolim de Moura

6º concurso - posse em 18 de outubro de 1991

 Jorge Luiz dos Santos Leal - Comarca de Porto Velho

 Sandra Martins Lopes Fascina - Comarca de Porto Velho

 Juarez Mercante - Comarca de Porto Velho

 Valdeci Castellar Citon - Comarca de Porto Velho

 Edilson Neuhaus - Comarca de Cacoal

 Glodner Luiz Pauletto - Comarca de Guajará-Mirim

 Maurício Pinto Ferreira - Comarca de Ji-Paraná

 Aldemir de Oliveira - Comarca de Rolim de Moura

7º concurso Posse em 1º de setembro de 1992

 Fausto Bawden de Castro Silva - Comarca de Porto Velho

 Glauco Antonio Alves - Comarca de Porto Velho

 Léo Antonio Fachin - Comarca de Porto Velho

 Maria Abadia de Castro Mariano Soares Lima - Comarca de Ariquemes

 José Antônio Robles - Comarca de Ji-Paraná

 Álvaro Kalix Ferro - Comarca de Ji-Paraná

 Belchior Soares da Silva - Comarca de Guajará-Mirim

 Francisco Borges Ferreira Neto - Comarca de Vilhena

 Jorge Luiz de Moura Gurgel - Comarca de Ji-Paraná

8º concurso - posse em 11de agosto de 1993

 Wilmar Jacob -Comarca da Capital

 Luiz Wanderley Gazoto- Comarca de Porto Velho

 Adolfo Theodoro Naujorks Neto- Comarca de Porto Velho

João Luiz Rolim Sampaio - Comarca de Porto Velho

9º concurso - posse em 14 de março de 1994

Dra. Tania Mara Guirro - Comarca de Porto Velho

 Mário José Milani e Silva - Comarca de Guajará-Mirim

 Gilberto José Giannassi - Comarca de Ji-Paraná

 Valdecir Ramos de Souza - Comarca de Vilhena

 Luiz Peixoto de Paula Luna - Comarcas de Ji-Paraná

 Rosimeire Conceição dos Santos Pereira de Souza - Comarca de Guajará-Mirim

 Edson Yukishigue Sassamoto - Comarca de Ariquemes

 José Arimatéia Neves Costa - Comarca de Cacoal -

 Roberto Gil de Oliveira - Comarcas de Vilhena

 Edwaldo Fantini Junior - Comarca de Ariquemes

 Silvio Viana - Comarca de Ji-Paraná

 Enio Salvador Vaz - Comarca de Porto Velho

 Marcos Alberto Oldakowski - Comarca de Ji-Paraná

 Ilisir Bueno Rodrigues - Comarca de Cacoal

 João Adalberto Castro Alves - Comarca de Rolim de Moura

10º concurso - posse em 09 de outubro de 1995

 Edenir Sebastião da Rosa - Comarca de Vilhena

 Úrsula Gonçalves Theodoro de Faria - Comarca de Ji-Paraná

 Sergio William Domingues Teixeira - Comarca de Porto Velho

Sandra Aparecida Silvestre - Comarca de Porto Velho

 Rinaldo Forti da Silva - Comarca de Cacoal

 Guilherme Ribeiro Baldan - Comarca de Porto Velho

 Susy Soares Silva Gomes - Comarca de Ariquemes (10º Concurso - posse em 12 de agosto de 1996)

11º Concurso - posse em 03 de fevereiro de 1997

 Fabiano Pegoraro Franco - Comarca de Ji-Paraná

 Inês Moreira da Costa - Comarca de Porto Velho

 Duília Sgrott Reis - Comarca de Porto Velho

 Mateus Milhomem de Souza -Comarca de Ji-Paraná

 Ana Valéria de Queiroz Santiago- Comarca de Porto Velho

 Carlos Augusto Telles de Negreiros -Comarca de Rolim de Moura

 Amaury Lemes - Comarca de Rolim de Moura

 Elsi Antônio Dalla Riva - Comarca de Ariquemes (11º concurso - posse 17 de setembro de 1997)

12º Concurso - Posse em 24 de setembro de 1997

 João Batista Chagas Santos - Comarca de Ji-Paranà

 Maurício Carlos Correia - Comarca de Vilhena

 Luis Antonio Sanada Rocha - Comarca de Porto velho

 José Gonçalves da Silva Filho - Comarca de Porto Velho

 Nelson Dagmar de Oliveira Ferrer - Comarca de Ariquemes

 Johnny Gustavo Clemes - Comarca de Porto Velho

 Fabíola Cristina Inocêncio - Comarca de Porto Velho

 Sélio Soares de Queiroz - Comarca de Porto Velho

 Dalmo Antonio de Castro Bezerra - Comarca de Porto Velho

13º concurso - posse em abril de 1999

 Vinícius Bovo de Albuquerque Cabral - Comarca de Porto Velho

 Edvino Preczevski - Comarca de Porto Velho

 Marcelo Tramontini - Comarca de Porto Velho

 Henaldo Silva Moreira - Comarca de Porto Velho

 Euma Mendonça Tourinho Spadoto Righetti – Comarca de Porto Velho

 Maximiliano Darcy David Deitos - Comarca de Ji-Paraná

 Wilson Soares Gama - Comarca de Cacoal

Carlos Roberto Rosa Burck - Comarca de Vilhena

14º concurso – posse em ..................................

Franklin Vieira dos Santos

Oscar Francisco Alves de Souza

Leonel Pereira da Rocha

Renato Bonifácio de Melo Dias

Arlen Jose Silva de Souza

Silvana Maria de Freitas Assis

Eduardo Fernandes Rodovalho de Oliveira

Haruo Mizusaki

Áureo Virgilio Queiroz

Ricardo Amaral Alves do Vale

Sandra Beatriz Merenda

15º concurso – posse em......................

Acir Teixeira Grécia

Eduardo Smidt Verona

Deisy Cristhian Lorena de Oliveira Ferraz

José Antônio Barreto

Luís Cláudio Rocha Rodrigues

Christian Carla de Almeida Freitas

Liliane Folha Pegoraro

Jose Augusto Alves Martins

Kerley Regina Ferreira de Arruda

 

A ESTRUTURA DO JUDICIÁRIO HOJE

            O Judiciário de Rondônia tem hoje uma estrutura sólida para oferecimento da prestação jurisdicional. Aos poucos, a justiça foi aparelhada para melhor atender a população. O Poder Judiciário conta com uma estrutura funcional compatível com a realidade do Estado, cumprindo, assim, o seu papel.Na capital, o prédio do fórum criminal, que já existia no período do Território, e o prédio onde funciona o Tribunal de Justiça, antiga Companhia de água, estão totalmente reformados. O Poder Judiciário, na capital, possui diversos prédios onde funcionam os Juizados Especiais, o Juizado da Infância e da Juventude, o Fórum Cível, o Arquivo Geral e o Almoxarifado.

            O prédio onde hoje funciona o Fórum Criminal Fouad Darwich Zacharias é o mesmo onde funcionava a justiça desde os tempos do território. Foi construído na década de quarenta do século XX e chamava-se Fórum Ruy Barbosa. O prédio passou por reformas e ampliações e abriga todas as Varas Criminais da capital.

            Atualmente, além das comarcas da capital, existem 21 as Comarcas no interior do Estado, sendo dez de 2ª Entrância e onze de 1ª. Em Porto Velho, existem, na área cível, seis varas genéricas, três Varas de Família, duas da Fazenda Pública e uma do Registro Público, mais os Juizados Especiais e o Juizado da Infância e da Juventude.

            Na área criminal, existem quatro varas genéricas, duas do Júri, uma de Execução Penal, uma Auditoria Militar e uma de Delitos de Entorpecentes.

            Todas as varas são providas de juízes, perfazendo um total de 29 juízes titulares e seis substitutos Estes últimos são deslocados de acordo com as necessidades da Corregedoria Geral.

            No interior do Estado, as comarcas possuem a seguinte distribuição: Guajará-Mirim, Ariquemes, Jaru, Ouro Preto, Ji-Paraná, Cacoal, Pimenta Bueno, Rolim de Moura, Vilhena e Colorado (Segunda entrância). Costa Marques, Machadinho, Presidente Médici, Alvorada, Espigão do Oeste, Santa Luzia, Alta Floresta e Cerejeira, Brasilência, Buritis e São Miguel  ( primeira entrância).

            As Comarcas do interior do Estado, instaladas no ano de 1982, possuíam estruturas precárias, conforme as observações em atas sobre as condições mínimas para a instalação da Comarca. Eram instaladas em pequenas casas, salas ou qualquer outro imóvel alugado ou mesmo salas em prédio da Prefeitura do município.

            As varas das comarcas do interior estão distribuídas da seguinte maneira: Guajará-Mirim possui duas varas cíveis e duas criminais; Ariquemes tem quatro varas cíveis e duas criminais; Ji-Paraná, quatro cíveis e quatro criminais; Jaru uma cível e uma criminal; Cacoal tres cíveis e duas criminais; Pimenta Bueno duas cíveis e uma criminal; Rolim de Moura, uma cível e uma criminal; Vilhena tres cíveis e duas criminais; e Colorado, uma cível e uma criminal. Todas elas estão providas de juiz titular, somando ao todo, no interior do Estado, 48 juízes titulares e nove substitutos

            O Estado de Rondônia foi um dos pioneiros, conforme já estudado pelo Juiz Roosevelt Queiroz Costa (1989), na instalação dos Juizados Especiais de Pequenas Causas. Foi um dos cinco primeiros Estados a instalar o JEPC. A Lei de implantação e funcionamento do Juizado Especial é do ano de 1984. No ano de 1985, o Desembargador César Montenegro criou condições para que fosse implantado em Porto Velho. Na administração do Desembargador Clemenceau Pedrosa Maia, através da Lei 108 de 9 de junho de 1986 foi efetivada a implantação do Juizado Especial.

            O Juizado Especial funcionou, por muitos anos, em um prédio alugado na Rua Campos Sales. Atualmente possui prédio próprio, inaugurado em 1996 na administração do Desembargador Antônio Cândido de Oliveira. Nas Comarcas do interior, os Juizados funcionam nos próprios prédios dos fóruns.

            Na capital, o Judiciário conta com prédio próprio para funcionamento do Juizado da Infância e Adolescência, que foi instalado no ano de 1985 e funcionou em diversos prédios alugados, hoje tem instalações próprias, inaugurada em 1996.

            O Judiciário do Estado de Rondônia apresenta, uma Justiça moderna, nada devendo a outros Estados. Conta com 88 Juízes e possui 22 Comarcas, sendo uma de 3ª entrância, nove de 2ª e oito de 1ª. É importante frisar que não há carência de juízes, todas as vagas estão supridas.

N. de processos

Cíveis.............................. 13.049

Família............................. 10.596

Criminais..........................  10.628

Juizados.............................. 4.176

Infância e juventude............ 1.432

            Hoje, após as alterações da Lei 157/96, o Tribunal de Justiça é composto por 13 Desembargadores.

            O atendimento prestado hoje foi organizado a partir da criação do Judiciário em 1982, e tem demonstrado grande crescimento e modernização.

 

AS COMARCAS

            Após a posse dos membros da primeira composição do Tribunal de Justiça, em 1982, realizou-se o primeiro concurso para prover as varas da capital e as comarcas do interior do Estado. Ao serem criadas, foram sendo supridas de juízes.

            No momento de sua criação, o Poder Judiciário contava com duas comarcas atendidas por juízes titulares, Porto Velho e Guajará-Mirim. Ji-Paraná e Vilhena funcionavam com juízes temporários, recurso criado pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal para suprir a falta de juiz. O juiz temporário tinha jurisdição limitada, às vezes exercia jurisdição plena em razão das necessidades.

            No primeiro ano da criação do Judiciário, foram instaladas nove comarcas: Espigão do Oeste, Pimenta Bueno, Colorado do Oeste, Cacoal, Presidente Médice, Ouro Preto do Oeste, Jaru, Costa Marques e Ariquemes. No ano seguinte, 1983, foram criadas mais duas: Cerejeiras e Rolim de Moura. Em 1986, Alta Floresta, e em 1987 Santa Luzia e Alvorada do Oeste. Por último, foi criada a Comarca de Machadinho do Oeste no ano de 1998, chegando ao quadro do Judiciário hoje.

            As solenidades de instalação das Comarcas contavam sempre com a presença das autoridades do município e da população. Os atos contaram ainda com a presença dos Desembargadores Darci Ferreira, Aldo Alberto Castanheira Silva e o Juiz Dr. Eulélio Muniz no processo de instalação das Comarcas pelo interior do Estado.

            No período de 23 a 29 de junho de 1982, foram instaladas as Comarcas de Espigão do Oeste, Pimenta Bueno, Colorado do Oeste, Cacoal, Presidente Médice, Ouro Preto do Oeste, Jaru, Costa Marques e Ariquemes.

            No dia 10 de dezembro de 1983, ainda na gestão do Desembargador Fouad, foram instaladas as Comarcas de Cerejeiras e Rolim de Moura. No ano de 1986, foi instalada a Comarca de Alta Floresta do Oeste e em 1987 as Comarcas de Alvorada do Oeste e Santa Luzia, já na administração do Desembargador Clemenceau Pedrosa Maia.  Em 1998 instalou-se a Comarca de Machadinho do Oeste, na administração do Desembargador Eliseu Fernandes de Souza.

            O livro de instalação das Comarcas, com Termo de Abertura de 23 de junho de 1982, assinado pelo então Presidente, Desembargador Fouad Darwich Zacarias, registra os atos da justiça naquele ano. A primeira Comarca a ser instalada foi a de Espigão do Oeste. As atas fazem referências às condições precárias de instalação em prédios improvisados. Essa improvisação ocorreu devido ao ritmo de trabalho do Governador Jorge Teixeira “a toque de caixa”. Suas ordens deveriam ser cumpridas como missão militar, e, era assim que todos os que trabalhavam com ele agiam.

            Devido à postura dinâmica do Governador Jorge Teixeira, a organização da Justiça no Estado foi marcada por essa característica política do momento. As instalações das Comarcas eram feitas com urgência e em locais improvisados. Nos anos seguintes, os próprios juízes foram encontrando soluções para melhorar a estrutura física das comarcas, uma vez que nem sempre o Estado oferecia as condições necessárias para funcionamento.

            Contam os juízes, informalmente, que numa cidade do interior, o Juiz Roberto Jorge Aur, recém aprovado em concurso, ao chegar à cidade de Santa Luzia, não tinha como trabalhar, pois que não havia sido instalada a Comarca. Quer dizer, existia no papel, mas não tinha móveis nem espaço físico adequado. As condições para instalação da comarca eram realmente mínimas. Na comarca de presidente Médici, por exemplo, o Fórum funcionou inicialmente em uma casa residencial alugada. As audiências eram realizadas no quintal, à sombra de um enorme abacateiro, para fugirem do calor das salas apertadas. A Comarca de Ariquemes de início funcionou em uma sala da Prefeitura, mas em razão de atritos com o Prefeito local, um mês após foi transferida para uma casa alugada e contou com a ajuda dos funcionários para limpeza e mudança.

            Em razão da precariedade, a justiça teve que reformar e ampliar os prédios das Comarcas do interior do Estado, mas como não tinha dinheiro para os móveis, os juízes continuaram a fazer as sessões do Tribunal do Júri nas Câmaras Municipais. Esses deslocamentos provocavam grandes transtornos, pois todas as vezes que havia reuniões do júri, o Cartório também tinha que se deslocar. Diante dessa situação, os próprios juízes resolveram pedir auxílio da comunidade. Conseguiram doações de madeiras, trabalho de serraria e marcenaria para a construção de equipamentos como mesas, cadeiras e armários.

            O caso de Guajará-Mirim foi o mais curioso, pois as negociações envolveram povos indígenas, surgindo daí a expressão, Tribunal do Xarampana.

            Xarampana é uma palavra indígena que significa colaboração. Durante as negociações com a comunidade de Guajará-Mirim, verificou-se a existência de um processo na Justiça Federal de apreensão de madeira em reservas indígenas. Por intervenção do Juiz Federal da Seção Judiciária de Guajará-Mirim, a madeira foi devolvida a comunidade indígena do Laje, os proprietários da madeira.

            Os juízes da Comarca de Guajará-Mirim procuraram o diretor da FUNAI e por intermédio dele foram até as comunidades indígenas e fizeram o pedido de doação de parte da madeira. Um chefe indígena respondeu que a comunidade estava xarampana. (o que significava que estavam prontos a colaborar). Assim, com a ajuda do exército, para buscar a madeira, e dos empresários para confeccionar os móveis, foi possível instalar o tribunal do júri da comarca. Na solenidade de inauguração o líder indígena presenteou o Presidente do Tribunal de Justiça Desembargador Eurico Montenegro Junior, com um cocar, reconhecendo nele a maior autoridade Judiciária do Estado.

            Durante as negociações, as comunidades indígenas pediram uma contrapartida do Poder Judiciário, que foi o julgamento do processo por genocídio indígena ocorrido naquela localidade, cujo réu, senhor Manoel Lucindo, foi condenado. Assim, o processo que vinha se estendendo desde a década de 60 foi resolvido, trazendo uma grande satisfação para a comunidade indígena, pois esse é o único caso de genocídio indígena julgado no Brasil.

            A Comarca de Guajará-Mirim foi um exemplo narrado pelo Juiz Marcos Alaor Diniz Grangeia, quando falou de suas experiências. Mas essas providências dos juízes, com algumas distinções, também ocorreram nas Comarcas de Vilhena, Ji-Paraná e Pimenta Bueno, ou seja, o Tribunal do Xarampana funcionou em todo o Estado. Podemos afirmar que foi por meio da colaboração do povo de Rondônia que a Justiça do Estado foi se fortalecendo e crescendo.

Guajará-Mirim

(2ª entrância)

            A Comarca de Guajará-Mirim tem uma história distinta das demais comarcas. Desde que foi instalada a Comarca de Santo Antonio, em 1912, Guajará-Mirim (Esperidião Marques) funcionou como Termo Judiciário. Havia um delegado no distrito que apurava os crimes, formava os inquéritos e os encaminhava a Santo Antonio. Com a decadência de Santo Antonio a comarca foi transferida para Guajará-Mirim, em 1929, ocorrendo uma inversão, ou seja, Santo Antonio passou pertencer à Comarca de Guajará-Mirim.

            A instalação da comarca aconteceu no dia 10.4.1929. Na época, o Juiz, Dr. Pedro Alcântara transferiu-se de cidade. Até 1943, a comarca continuou pertencendo ao Estado do Mato Grosso. Essa situação foi modificada com a transformação da região em Território Federal do Guaporé. As mudanças foram geográficas e políticas, por isso as atividades judiciárias prosseguiram sem grandes alterações. Com a criação do Território, o Juiz Pedro Alcântara deixa de pertencer ao Judiciário do Mato Grosso e, passa integrar a Justiça do Território. Segundo informações de moradores antigos e documentos, o Dr. Pedro Alcântara deixou a comarca em 1945, em razão da aposentadoria.

            Em Guajará-Mirim, a Justiça foi notadamente presente nos primeiros anos. Pelos livros cartoriais, percebe-se uma queda nos trabalhos no final dos anos 40, pois, ao longo de nove anos, alguns livros tiveram apenas 30 folhas utilizadas para sentença.

            A década de 60 foi marcada por total abandono. A Comarca passou a contar com a atuação do folclórico Capitão Alípio que, segundo os moradores mais antigos, casava e descasava, praticando, assim, uma justiça controversa. Ele era juiz e carcereiro.

            Com a nomeação do Dr. Francisco César Montenegro, em 1967, a Comarca de Guajará-Mirim, assim como a de Porto Velho, foi sendo preparada para a reestruturação. No momento da criação do Tribunal de Justiça do Estado, apenas se amoldou à nova realidade.

            Guajará-Mirim guardou a maior documentação sobre a atuação da Justiça na região. A Comarca possuía um grande acervo que atualmente se encontra no Centro de Documentação do Poder Judiciário. A documentação preservada na Comarca de Guajará-Mirim foi de grande importância para o desenvolvimento das pesquisas do CDH, sendo a coleção de maior importância do acervo.

Ji-Paraná

(2ª entrância)

            A Comarca foi criada no ano de 1980 e instalada no dia 9 de março de 1981. Rondônia era Território. A instalação se deu por força de um movimento dos advogados da cidade que, além de entrar em contato com o Tribunal de Justiça de Brasília pedindo a instalação, rifaram um carro para comprar os móveis e objetos necessários para o funcionamento do Fórum. O primeiro Juiz da Comarca foi o Dr. Benedito Geraldo Barbosa (Juiz Temporário) e o Promotor de Justiça, o Dr. Roberto Oliveira Franco. O primeiro júri foi realizado no mês de junho de 1981, ano da sua instalação, e teve como advogado de defesa o Dr. Eliseu Fernandes de Souza, hoje Presidente do Tribunal de Justiça. O Fórum da Comarca leva o nome do Desembargador Hugo Auller.

            A atividade judicial, nos primeiros tempos, funcionou em prédio alugado. Hoje está instalada em prédio do próprio Poder Judiciário. No seu primeiro ano de funcionamento o número de processos chegou a 200 processos, hoje conta com 23.962.

            Em uma amostragem de 100 processos criminais da década de 80, a Comarca de Ji-Paraná apresenta 61 homicídios, 24 lesões corporais e 15 outras ações como uso ou tráfico de drogas e estelionato.

Ariquemes

(2ª entrância)

            A Comarca de Ariquemes foi criada no mês de abril de 1982 e instalada no dia 04 de agosto do mesmo ano, como comarca de 2ª entrância. Os primeiros juízes da Comarca foram: Dr. Paulo Carneiro (vara criminal) e Dr. Jorge Luiz Gurgel do Amaral (vara cível). O primeiro Promotor de Justiça foi o Dr. Abdiel Ramos Figueira.

            Já no primeiro ano de funcionamento, a Comarca contava com aproximadamente 400 processos cíveis e 400 criminais. Hoje somando as Varas Cíveis, Criminais e Juizados, existem 15.595 processos em andamento.

Cacoal

(2ª entrância)

            A Comarca foi instalada no dia 28 do mês de junho do ano de 1982.

            Após a instalação assumiram como Juízes Dr. Renato Martins Mimessi (vara criminal) e Dr. Salatiel Soares de Souza (vara cível) que tomaram posse no dia 27 de julho daquele ano. Atualmente a Comarca possui 9.335 processos em andamento somando as varas cíveis, criminais e juizados.

Vilhena

(2ª entrância)

            A Comarca de Vilhena foi instalada no período do território e o Dr. Paulo Carneiro, Juiz Temporário, foi o primeiro magistrado.

            Com a criação da Justiça do Estado e a posse dos primeiros juízes nomeados em 26 de julho de 1982, assumiram na Comarca o Dr. Fernando Lopes Soares (vara cível) e o Dr. Walter de Oliveira (vara criminal). A Comarca conta com 15.323 processos em andamento.

Pimenta Bueno

(2ª entrância)

            A Comarca foi instalada no dia 04 de agosto de 1982. Os primeiros juízes da Comarca foram o Dr. Anísio Garcia Martin, na Vara Criminal e o Dr. Jorge Gurgel do Amaral na Vara Cível. O primeiro Promotor de Justiça foi a Dra. Aurizete Saldanha Contijo.

            No seu primeiro ano de funcionamento, a Comarca contava com 223 processos cíveis e 236 criminais, perfazendo um total de 459 processos. Hoje somam 4.208 ações em andamento, sendo que 1.334 são da 1ª Vara Cível, 321do Juizado Especial, 1.399 da 2ª Vara Cível, 134 da Infância e Juventude, 790 da Vara Criminal e 230 do Juizado Criminal.

Jaru

(2ª Entrância)

            A Comarca de Jaru foi criada pela Lei Federal nº 008 de 25 de janeiro de 1982. A instalação ocorreu no dia 25 de junho do mesmo ano, como Comarca de 2ª entrância. O primeiro juiz foi o Dr. Roosevelt Queiroz Costa e o Promotor foi o Dr. Miguel José dos Santos. O primeiro júri realizou-se em 2 de maio de 1983.

            No seu primeiro ano de funcionamento, a Comarca registrou 198 processos. Hoje esse número foi elevado para 3.963 processos em andamento.

Ouro Preto do Oeste

(2ª entrância)

            Instalada em 28 de junho de 1982, como Comarca de primeira entrância, teve como primeiro juiz, o Dr. Marco Antonio de Farias, e o primeiro Promotor de Justiça, o Dr. Luis Eduardo Custódio. Em 10 de setembro de 1986 foi transformada em Comarca de 2ª entrância.

            O Tribunal do Júri reuniu-se, pela primeira vez, em 19.9.83 para julgar o processo de número 21/83. No primeiro ano de funcionamento da Comarca foram somados 164 processos cíveis e 319 criminais. Hoje são 1.204 criminais e 1.883 cíveis, sendo que os Juizados Especiais têm 454 criminais e 457 cíveis mais 156 processos do Juizado da Infância e Juventude. 

Rolim de Moura

(2ª entrância)

            A Comarca foi criada apela Lei n. 43 de 21.12.83 e instalada em 12 de janeiro de 1984. O primeiro juiz a tomar posse foi o Dr. Carlos Roberto da Silva. O primeiro promotor de Justiça, Dr. Manoel Rodrigues dos Anjos, tomou posse em janeiro de 1985.

            A primeira seção de júri foi instalada em 12 de abril de 1985, tendo como juiz presidente o Dr. Sérgio Alberto Nogueira de Lima.

            No primeiro ano de funcionamento, a Comarca autuou 672 processos cíveis e 331 criminais, totalizando 1003 autos.

            Atualmente, somam-se 4.239 cíveis, 763 criminais, 153 do Juizado especial Criminal, 1.209 do Juizado Cível e 208 da Infância e Juventude, perfazendo um total de 6.572 ações em andamento.

Colorado do Oeste

(2ª entrância)

            Instalada em 17 de julho de 1982, a Comarca teve como primeiro juiz o Dr. José Marcelino de Paula e primeiro Promotor de Justiça o Dr. Getúlio Nicolau Santore.Foi criada como comarca de primeira entrância, transformada após em segunda, quando assumiram os juízes Glodner Luiz Pauletto e Roberto Gil de Oliveira.

            No seu primeiro ano de funcionamento, a Comarca já contava com 750 processos cíveis e 85 criminais. Atualmente existem 2.321 processos na área cível e 454 na criminal, além  de 342 do juizado e 219 da Infância e Juventude, somando um total de 3.336 processos.

Espigão d’ Oeste

(1ª Entrância)

            A Comarca de Espigão do Oeste foi instalada em outubro de 1982, assumindo como primeiro juiz, o Dr. José Pedro do Couto e como promotores de Justiça o Dr. Edison de Moraes e a Dra. Maria Aurizete Contijo. O primeiro advogado da comarca, foi o Dr. José Roberto Vasques de Freitas. O primeiro processo a ser ajuizado foi uma Separação Judicial Litigiosa que sob o nº 01/82.

            No primeiro ano de funcionamento, foram ajuizados apenas 34 processos cíveis e 39 criminais. Hoje existem 1.521 cíveis, 398 criminais, 812 do Juizado Cível, 141 do Juizado Criminal e 93 da Infância e Juventude.

Costa Marques

(1ª entrância)

            A Comarca foi criada por força do Decreto Lei nº 8 de 25 de janeiro de 1981 e instalada em 29 de junho de 1983. Assumiu a Comarca como primeiro juiz o Dr. Paulo Roberto Pereira e o Dr. Osmar da Rocha Campos, como primeiro Promotor de Justiça.

            A primeira reunião da seção de júri foi presidida pelo Dr. Irineu de Oliveira Filho, e teve como Promotor de Justiça o Dr. Sebastião Plínio Carneiro e como defensor o advogado João Evangelista Minari.

            No primeiro ano de funcionamento, a Comarca autuou 41 processos cíveis e 125 criminais. Atualmente somam-se 761 criminais, 1.381 cíveis, mais 784 do Juizado Especial Cível, 230 do Juizado Especial Criminal e 93 da Infância e Juventude.

Presidente Médici

(1ª entrância)

            A Comarca foi instalada em 26 de julho de 1982, quando assumiu o primeiro Juiz de Direito, Dr. João Carlos de Castilho, e o primeiro Promotor de Justiça Dr. Walter Teixeira. A primeira seção do júri foi instalada pelo Dr. Roosevelt Queiroz Costa e oficiou na defesa o advogado Dr. Nelson Festi.

            No primeiro ano de funcionamento a Comarca autuou 67 processos criminais e 47 cíveis, dos quais 114 tinham sido remetidos da Comarca de Ji-Paraná. Hoje a Comarca já conta com 407 processos criminais e 121 do Juizado Especial Criminal, somando-se 528. Na vara cível são 1.238, acrescidos dos 96 do Juizado Especial Cível e 45 da Infância e Juventude, totalizando 1.342 processos em andamento.

Cerejeiras

(1ª entrância)

            A Comarca foi criada no ano de 1983 e instalada em 13 de janeiro 1984. O primeiro juiz foi o Dr. Gilberto Pereira de Oliveira e o primeiro Promotor de Justiça o Dr. José Osmar de Araújo.

             O primeiro júri foi realizado em 27 de junho de 1984, logo após a sua instalação.         No primeiro ano de funcionamento foram autuados 524 processos. Hoje a Comarca conta com 4.019 processos em andamento.

Santa Luzia d’ Oeste

(1ª entrância)

            A Comarca foi instalada no ano de 1987 e teve como primeiro juiz o Dr. Roberto Jorge Aur. O primeiro Promotor de Justiça da Comarca foi o Dr. Clineu Ruiz de Lima.

            A primeira sessão de júri foi instalada em 26 de maio de 1989.

            No primeiro ano de funcionamento, a Comarca contava com 343 processos cíveis e 199 criminais, totalizando 343 processos. Hoje a Comarca conta com 452 processos cíveis e 210 criminais, 147 dos juizados e 39 da Infância e Juventude, totalizando 848 processos em andamento.

Alvorada do Oeste

(1ª entrância)

            Instalada em 06 de outubro de 1987, a Comarca teve como primeiro juiz o Dr. Péricles Moreira Chagas e primeiro Promotor de Justiça o Dr. Antonio Cazano de Melo.

            A primeira seção do júri foi instalada em 03 de maio de 1988. No primeiro ano de funcionamento foram autuados 162 processos cíveis e 113 criminais. Hoje somam-se 476 cíveis, 418 criminais, 275 dos juizados e 39 da Infância e Juventude.

Alta Floresta do Oeste

(1ª entrância)

            A instalação da comarca ocorreu em 07 de novembro de 1986, assumindo o cargo de Juiz de Direito o Dr. José Marcelino de Paula e primeiro Promotor de Justiça o Dr. Cláudio Ribeiro de Mendonça.

            Ainda no primeiro ano de funcionamento, a comarca registrou 415 autos. Hoje, considerando a vara cível, criminal e juizados são 2 281 processos em andamento.

Machadinho do Oeste

(1ª entrância)

            Machadinho do Oeste foi criada pela Lei complementar n. 146 de 22 de dezembro de 1995. Da união entre o Município de Vale do Anari e do Município sede, surgiu a Comarca.

A instalação ocorreu no dia 06 de novembro de 1998, em ato solene que contou com a presença de várias autoridades. Tomou posse, na mesma solenidade, o primeiro juiz da Comarca, João Batista Chagas dos Santos. Com menos de um ano de funcionamento, já conta com 563 processos cíveis 284 criminais, 275 dos juizados e 39 da Infância e Juventude.

Nova Brasilândia

(1ª entrância)

A Comarca de Nova Brasilândia foi instalada no dia 22 de dezembro do ano de mil novecentos e noventa e nove. O ato solene contou com a presença do então presidente do tribunal de Justiça do estado, Des. Eliseu Fernandes de Souza, do Promotor de Justiça Allan Castiel Barbosa, do governador José de Abreu Bianco entre outras autoridades. O primeiro Juiz foi Luiz Antonio Sanada Rocha. A Comarca abrange os municípios de Novo Horizonte do Oeste e o distrito de Migrantenópolis e conta com 1.895 processos em andamento

Buritis

A comarca foi instalada em 24 de outubro de 2003 O primeiro juiz foi Áureo Virgilio Queiroz que assumiu o cargo no dia 29 de outubro. Atualmente a Comarca conta com 1.056 processos em andamento

São Miguel

Foi instalada em 31 de outubro de 2003 sendo o juiz Haruo Mizusaki o primeiro magistrado que assumiu o cargo em 1º de novembro.Atualmente a Comarca conta com 1260 processos em andamento.

 

CONCLUSÃO

            Conforme observado inicialmente o trabalho foi construído tendo como suporte a documentação da instituição. Dividimos a atuação da justiça em três fases sem rupturas drásticas e evitamos a individualização e detalhes pormenorizados, porque acreditamos na presença da justiça como uma estrutura e não como ação individualizada.

            Concluímos esse trabalho acreditando que será de grande valia para futuros estudos. O acervo do Poder Judiciário abre campos de pesquisa em várias áreas. Outras análises abordando temas específicos poderão chegar a conclusões diferenciadas. Neste momento as observações foram feitas de maneira generalizada, retratando ações. Não foram objeto deste trabalho as questões críticas e analíticas, mas sim uma mostra e o registro de opções de abordagens que podem ser proporcionadas a pesquisadores, historiadores ou profissionais da área jurídica, pois o objetivo, aqui, era fazer um inventário da história da Justiça em Rondônia.

Como destacarmos ou diferenciarmos as ações?

            Desde a instalação em 1914, na Vila de Santo Antonio, vamos encontrar estupros, homicídios, furtos e lesões corporais compondo a maior parte das ações. Na área cível, as demandas giravam em torno das execuções, inventários, alimentos, alvarás... Essas características marcam, até os dias atuais, o cotidiano do Judiciário.

            Não é possível, pela ótica do excepcional, diferenciarmos os períodos da justiça. Nos seus vários momentos em decorrência das mudanças sociais, políticas e da própria lei, vamos encontrar algumas tendências como, por exemplo, o alto índice de ações de seduções e as possessórias na década de 70, o aumento dos casos de uso e tráfico de drogas na década de 80 e os crimes bárbaros ao longo dos anos que marcados e acentuados pela comoção popular, tiveram maior ou menor importância no âmbito do Judiciário. Tudo isso são fatos históricos, mas a produção, digamos assim, da Justiça é impulsionada pelo movimento da sociedade e por meio das ações políticas.

            Destacar ou diferenciar processos não altera a ação da justiça, que tem como ponto principal a distribuição do atendimento à população. A ação única de um cidadão não cabe dentro da análise de um órgão que tem uma estrutura totalizante e funciona como uma engrenagem.

            Fatos isolados, sem dúvida, geram curiosidade. Qual teria sido o primeiro júri, a primeira briga, a primeira sentença do juiz? Mas a pergunta é: em que isso mudaria a ação da justiça ou o pensamento dos seus agentes? Seria como dizer que esses fatos receberam maior atenção do Judiciário. Neste trabalho buscou-se mostrar seu atendimento, desde a sua instalação em 1914, acompanhando os momentos políticos e econômicos, buscando dar uma visão panorâmica de toda sua trajetória histórica.

 

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